Hatari! Revista de Cinema #06 Cinema Nórdico | Page 17
Rock , GALINHAS,
PRETENSÕES E REYKJAVÍK
por Pedro Fávaro
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Luzes piscando, sons esquisi-
tos, não dá pra saber muito bem o
que está acontecendo. Era pra ser
um show de alguma banda, mas
está parecendo mais uma instala-
ção que um show. Quem assiste,
porém, parece ser uma plateia de
um show, com cervejas nas mãos,
rindo, meio perdidos. No palco, de-
morei um pouco pra entender, mas
estão ali três islandeses desmiola-
dos decapitando galinhas vivas e
alguma outra ave parecida, em o
que parece ser uma grande guilho-
tina de papel. Um tempo depois,
a polícia chega e a agitação para.
Ninguém parece ter sido preso, mas
a presença da polícia dispersa a pla-
teia e o show acaba. Logo depois,
dando entrevista enquanto senta-
dos no palco, a banda fala algumas
poucas coisas para a câmera. Um de-
les, brincando com o corpo de uma
galinha, solta: “Se é permitido ani-
mais morrerem em um abatedouro,
por que não em uma obra de arte?”.
Esse é o trecho mais dife-
rente de Rokk Í Reykjavík (1982),
de Friðrik Þór Friðriksson. Até en-
tão (e a partir daí), ele é um regis-
tro praticamente simpático sobre
a cena de rock islandês entre 1981
e 1982, claramente entorpecida
pela lógica punk do “do it yourself”
e da loucura inconsequente ado-
lescente. O filme é basicamente
uma coletânea de apresentações
ao vivo de 18 bandas e um poeta
islandês. Essas apresentações são
preenchidas com depoimentos
de algumas bandas que vamos ver
ou já vimos tocar, ou algum membro
delas. Na cópia que assisti, os no-
mes das bandas e de suas músicas
aparecem através da legenda, mas
não há nada impresso na película.
Sobre esse trecho da decapitação
das galinhas, a única informação
que me apareceu através das legen-
das foi de que a “banda” se chama
Bruni BB, mas aparentemente ela
não existe em nenhum outro lugar,
exceto nesse filme, o que a torna
anônima quanto se seu nome não
tivesse sido revelado. O que mais in-
comoda nesse trecho do filme não
é a decapitação. É também, mas ela
só incomoda mais do que devia por
conta da confirmação de que é algo
completamente vazio, coisa que se
dá no depoimento de um dos rapa-
zes. “Por que não em uma obra de
arte?”. Tenho uma fascinação enor-
me por um tipo de rebeldia adoles-
cente, aquela que transborda vida,
urgência, paixão, inconsequência e
loucura, mas que é também aquela
que constantemente se depara com
a consequência, com a desilusão e
que em todo momento se coloca
em crise. Porém, nesse trecho do fil-
me e nesse depoimento, me deparei
pensando, por um breve momento,
que talvez a inconsequência jovem
fosse, na verdade, um monte de
besteira. Claramente essa perfor-
mance não foi pensada com algum
motivo, algum porquê. A explicação
dada pelo rapaz no seu depoimen-
to é nada mais que uma justificati-
va forçada, algo que veio depois da
ideia inicial de “decapitar galinhas
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