Hatari! Revista de Cinema #04 Cinema Brasileiro Anos 80 | Page 65

Anjos da Noite, de Wilson Barros, de 1987, é um dos três fi lmes que compõem a chamada trilogia da noite paulistana, junto com Cidade Oculta (1986), de Chico Botelho, e A Dama do Cine Shangai (1987), de Guilherme de Almeida Prado. Um dos aspectos que os três fi lmes têm em comum reside no uso da cidade de São Paulo durante a noite como cenário para o desenrolar das narrativas, uma noite recheada com letreiros em neon e personagens sem receio algum de viver enquanto o sol não nasce novamente. E é exata- mente a partir daí que surgem os pontos mais atraentes de Anjos da Noi- te: seus vários personagens e suas relações com a realidade. Com uma cena inicial muito bem sucedida e que é capaz de prender o e spectador logo de cara, vemos Lola, bem de perto, proferindo um mo- nólogo forte e impactante enquanto tira a peruca e a maquiagem. Logo, a câmera se afasta e nos é revelado um corpo dentro de uma banheira, com muito sangue. O sentimento agora é outro. À medida que a câmera se afasta ainda mais, as paredes fi nas começam a denunciar do que realmen- te se trata. Finalmente, o palco é completamente revelado. Se trata do en- saio de uma peça. Essa montanha russa de ilusões engana o espectador a principio, mas também serve como um aviso “é mentira, é tudo mentira”. “Chega de fantasias, chega de mentiras, chega! Lola ma- ravilhosa, a rainha da noite, das madrugadas, dos risos, dos aplausos... Ah, os aplausos... A bicharada enlouquecida por- que Lola é divina, a maior! Mentira! Tudo mentira! E essa pica aqui no meio das minhas pernas? Foi assim que te amei, calhorda. Como homem! O segredo de Lola é o encanto de Lola - Lola é um homem. Eu sou um homem. Um homem como você, seu puto. Eu mijo em pé como você. Quer dizer, como você mijava, né, não mija mais.” 65