Hatari! Revista de Cinema #04 Cinema Brasileiro Anos 80 | Page 59
Lucas (Antônio Fagundes) não fuma. Um vício que ele não tinha an-
tes de entrar no Cine Shanghai naquela quente noite paulista, ele diz.
Sua voz, em off , narra os motivos para ir ao cinema enquanto vemos um
homem entrar em um apartamento escuro - um sinal em neon brilha do
lado de fora da janela com os dizeres: Shanghai. Lucas explica que nessa
noite de verão - “quando o calor deixa tudo imóvel” - ele foi ao cinema
para escapar da realidade.
O homem, no apartamento, se aproxima de uma mesa e vê um punhal
que refl ete a luz da rua. Do cômodo ao lado sai uma mulher, eles plane-
jam o assassinato de seu marido. Os amantes, que encheram os primeiros
minutos do fi lme, estão em outra tela, na tela de dentro do cinema em que
o protagonista assiste ao fi lme em cartaz - A Dama do Cine Shanghai.
O fi lme de Guilherme de Almeida Prado presta uma homenagem ex-
plícita ao fi lme A Dama de Shanghai, de Orson Welles, lançado em 1948.
Além de quase emprestar o nome do americano, o fi lme brasileiro faz um
jogo com a história de Welles (baseada no livro If I Die Before I Wake
de Sherwood King). Nas duas narrativas a voz do protagonista nos avisa
que estamos prestes a ver o momento em que suas vidas mudaram de
rumo e no centro dos problemas está uma mulher. As femmes fatales,
interpretada no fi lme de 1948 por Rita Hayworth e no de 1987 por Maitê
Proença, usam dos seus poderes de sedução para atrair homens como
Michael O’Hara (1948) e Lucas (1987) para seus planos de assassinato.
A presença da personagem feminina sedutora e perigosa é uma das
características dos fi lmes noirs, assim como narrativas tortuosas, com
personagens misteriosos, crimes a serem resolvidos e um protagonista,
homem, na fi gura do anti-herói. A Dama do Cine Shanghai usa de todos
esses traços para contar a história de Lucas, um agente imobiliário, ex-
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