Hatari! Revista de Cinema #04 Cinema Brasileiro Anos 80 | Page 54
O anti-herói Anjo, vivido por Arrigo Barnabé, que também é responsá-
vel pela trilha sonora, é apresentado logo nos primeiros minutos já como
um homem perdedor. Primeiro é visto em uma reportagem de TV sendo
preso em uma operação no combate às drogas. Em seguida, já solto após
sete anos na cadeia, revira o esgoto, num prenúncio do que faria mais
adiante, quando teria contato com as pessoas que, direta ou indiretamen-
te, levaram-no à prisão.
Anjo se atira nesse submundo escuro e feio e obriga o espectador a
acompanha-lo. Ele procura seu lugar naquele universo enquanto tenta en-
tender sua hierarquia através de outras personagens como o bandido Japa
e o policial Ratão. O máximo de contato humano que Anjo consegue é
com Shirley Sombra, que parece ser a mais centrada dentre todas aquelas
pessoas, mas que se mostra tão perdida quanto qualquer um deles.
Em fl ashback, através das memórias de Anjo, os acontecimentos que o
levaram à prisão são mostrados. Trata-se de uma breve cena, dividida em
diversos pedaços e espalhada ao longo do fi lme – por vezes teimando em
aparecer em momentos onde o presente é infi nitamente mais importante.
Anjo se prende a essa lembrança em vez de seguir em frente e, ao mesmo
tempo em que isso causa um pouco de frustração devido às quebras de
tensão no fi lme, por outro lado faz completo sentido dentro da cabeça
perturbada do personagem e dentro daquele universo.
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O fi lme aposta bastante no simbolismo, seja ele através do anel que
passa de mão em mão e que veio literalmente da merda, seja ele através
das cartas de tarô que Shirley consulta esporadicamente. Ambos traba-
lham lado a lado na construção de algo que representa tanto o ambiente
onde aquelas pessoas estão inseridas quanto a inalcançável possibilidade
de fuga dali.