Hatari! Revista de Cinema #04 Cinema Brasileiro Anos 80 | Page 53
“Enquanto você e eu dormimos o sono dos justos, entre luzes e som-
bras de ruas perdidas começam algumas de muitas histórias”. A ideia de
representar na tela o universo noturno de uma grande metrópole implica
a presença de personagens incomuns, que agem diferente ou simples-
mente não são vistos à luz do dia. Mais do que simplesmente diferentes,
as pessoas retratadas em “Cidade Oculta” (1986) formam um grupo he-
terogêneo, que, ao se chocarem uns com os outros, ajudam a criar o caos
da cidade que se esconde nas sombras.
São Paulo é uma cidade ex tremamente sensorial e o cineasta Chi-
co Botelho transporta essa característica para dentro do fi lme, fazendo
imagem e som disputarem a atenção do espectador plano a plano e, pa-
radoxalmente, criando uma estranha harmonia. Os planos são sujos e
barulhentos, mas de alguma forma tudo se encaixa, dando ao fi lme a
atmosfera necessária para que sejam contadas as histórias daqueles per-
sonagens que vivem enquanto a cidade dorme.
A música, inclusive, mostra-se elemento essencial na criação desse
clima desconexo, futurista e urgente, de forma a quase tornar-se mais um
personagem que tem algo a dizer e tenta se fazer ouvir. Por vezes diegéti-
ca e quase sempre incômoda aos ouvidos, ela é um ponto de vida pulsante
nesse lugar decadente, que respira morte, corrupção e imoralidade.
“Cidade Oculta” resgata a estética marginal que tanto marcou o cine-
ma paulista através dos fi lmes da Boca do Lixo, que, na segunda metade
dos anos 1980, já não tinham a mesma força de antes. Mas, assim como
a cidade que busca retratar, o fi lme não se limita a um único elemento e
busca inúmeras referências, seja nos fi lmes noir ou nas fi cções científi -
cas. Dessa maneira, Chico Botelho acaba por apresentar ao espectador
uma obra que não permite classifi cações simples ou fáceis, expandindo
assim suas possibilidades. assim suas possibilidades.
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