Hatari! Revista de Cinema #04 Cinema Brasileiro Anos 80 | Page 19

A Boca ‘80 ou Candeias nos Anos 80 por Pedro Favaro Candeias é um daqueles cineastas honestos ao mundo e ao que lhes é importante, o que torna o seu modo de filmar - cru, rude, sujo e des- provido de cosmética - muito mais interessante do que a idéia de que a arte reside na estética, ou seja, a estética considerada simplesmente como uma transgressão ou uma vontade de transgredir que supostamente pro- move uma intelectualização à obra. Candeias filma do jeito que filma por vontade própria, por achar necessário. Não se sente vontade de viver em um filme de Candeias. São filmes hostis que não ostentam qualquer tipo de glamour. Porém, ele não tem medo da ficção, do surreal e de artifícios que supostamente distanciam da realidade crua presente em seus filmes. Pelo contrário, ele entende que são justamente esses momentos que nos aproximam daquilo que não se mostra, que não se fala, mas que se sente. Ozualdo Candeias parece ser o cineasta mais fascinado pela Boca do Lixo e os tipos que por lá transitavam nos tempos de glória da Rua do Triumpho. Provavelmente, boa parte das fotografias que existem da Boca devem ter sido tiradas por ele, que tem dois curtas sobre a vida do lugar, Uma Rua Chamada Triumpho 1969/70 (1971) e BocaDoLixoCinema (1976), esse último definido como uma “reportagem” nos créditos ini- ciais. Uma Rua Chamada Triumpho é composto de filmagens de fotos tiradas por Candeias com uma narração que conta da rua e das pesso- as fotografadas. No fim dos anos 80, porém, Candeias faz As Bellas da Billings (1987) numa época em que “a Boca já não é mais aquela”, como diz James, um dos personagens que perambulam pela cidade e pela vida. Essa é uma cena em que James e seu parceiro recém conhecido (um vio- leiro interpretado por Almir Sater) passam em frente ao Bar Soberano, o “bar dos artistas”. Nessa cena, Candeias desenvolve um olhar extrema- 19