Hatari! Revista de Cinema #04 Cinema Brasileiro Anos 80 | Page 15

Que Bom Nos Ver por Hanna Esperança
explicativo , Murat junta em um único filme mulheres que sobreviveram e que , encontraram , finalmente alguém que quisesse ouvir : outras mulheres . Junto a essa parte documental , ainda temos o monólogo feito por Irene Ravache , que divaga através de uma personagem sem nome sobre ser mulher e ter sobrevivido à tortura . Já logo de início , num monólogo cheio de raiva , a personagem olha diretamente para a câmera , para nós , e diz “ Todos vocês acham que a gente é diferente só pra fingir que nunca vão estar no lugar da gente , né ? Uma forca pra cada um de nós em praça pública . Pode parar , pode parar ! Guardem a minha pra quando eu tiver 80 anos ! Essa é a minha história e vocês vão ter que me suportar ! ”. E assim as mulheres que darão depoimentos para o filme são apresentadas uma a uma .
Parto na cadeia , menstruação no pau de arara , estupro , o uso do corpo como instrumento de tortura ... experiências que só poderiam ser compartilhadas e compreendidas por outras mulheres . É a partir de uma perspectiva inteiramente feminina que Lúcia Murat irá dialogar com essas sobreviventes e questionar , sendo ela mesma uma , o modo como a sociedade as silenciam e as tratam muito mais como vítimas do que seres humanos .
Mas o filme vai também além de relatos . Ele busca saber como essas mulheres lidam com terror da memória , com as cicatrizes , com os familiares e amigos perdidos , com a maternidade , os relacionamentos e o sexo . Elas sobreviveram à ditadura , mas como sobreviver depois dela ?
Eu sou mulher e tenho 19 anos . Eu não passei pela ditadura , eu não tive que lutar pelo voto , eu posso , em teoria , vestir a roupa que eu quiser e cortar meu cabelo do tamanho que preferir . Ainda assim , por que as lutas de todas as mulheres representadas nesses cinco filmes parecem tão atuais ? O preconceito , a sexualidade , o abuso que sofremos , a falta de
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