Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 60
Maria Rosaria Manieri
existencial do homem para a qual todos os cidadãos podem
razoavelmente convergir.
A busca de sentido que a fraternidade confere à tolerância
faz com que esta funcione de algum modo como limite a um
liberalismo que se arrisca a ameaçar o futuro de própria natu-
reza humana. 45
No horizonte dos novos conflitos, a fraterni dade se coloca,
quanto à tolerância, como ponto de vista razoável sobre pro-
blemas que são cientificamente complexos e humanamente deli-
cados, e como ponto de um novo equilíbrio entre liberdades pes-
soais e exigências coletivas, entre dignidade da pessoa e agir
político e normativo, que jamais, de modo algum, pode ultra-
passar tal dignidade.
A fraternidade baseia a tolerância responsável no valor do
respeito recíproco dos homens que são todos, aqui e agora, sujeitos
de responsabilidade no esforço comum de sobrevivência da huma-
nidade autêntica e, todos ao mesmo tempo, “filhos de Cura”. 46
45 Cf. J. Habermas, Il futuro della natura umana. I rischi di una genetica liberale, Tu-
rim, Einaudi, 2002.
46 A história dos mitos faz remontar ao século I a.C. o de Cura, que chegou até nós
através de um escrito de Higino. Cura é o símbolo do acudimento amoroso. O mito
representa a fragilidade humana e a necessidade que cada um de nós tem de Cura
e de cuidar. “Atravessando um rio e tendo encontrado boa argila, Cura se deteve
pensativo e começou, com aquele barro, a modelar o semblante de um homem. En-
quanto se atormentava sobre o resultado de seu trabalho, viu aproximar-se Júpiter:
Cura pediu a ele que soprasse, coisa que Júpiter fez de boa vontade. Surgiu entre
os dois uma disputa para estabelecer quem tinha o direito de dar nome à obra de
ambos, e à discussão logo se somou a Terra, que alardeava os próprios direitos
porque de seu corpo é que fora tirada a argila. Decidiram recorrer ao juízo de
Saturno, que assim sentenciou: ‘Tu, Júpiter, porque foste quem lhe insuflou o
espírito, verás este espírito voltar a ti depois da morte; e a ti, Terra, então voltará
seu corpo; mas, como foi Cura quem inicialmente lhe forjou o semblante, ele
pertencerá a Cura por todo o tempo em que viver. E seu nome, sobre o qual não
concordastes, será homem, porque de húmus é feito’” (cf. M. Mengarelli, A cosa
serve la bioetica?, Roma, L’asino d’oro, 2011).
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