Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 48

Maria Rosaria Manieri espécies selvagens”. 11 Mas, se prevalecesse a opinião de que o domínio baseia-se na graça, jamais poderiam se estabelecer e subsistir entre os homens a segurança e a paz. Quando uma religião, dominante espiritualmente, chega a sê-lo politicamente, está sempre carregada de violência e com- porta o risco de que os homens se trucidem uns aos outros. A partir de Locke, a tolerância é “um dos conceitos centrais em torno do qual se estruturam a neutralização dos conflitos internos, o consenso unânime dos membros da sociedade – seja qual for a confissão em que se reconheçam –, a distinção entre esfera pública e esfera privada do indivíduo”. 12 A fé que cada qual professa – afirma Locke – e, em geral, todas as opiniões “especulativas” e os princípios práticos que guiam as ações no campo das “coisas indiferentes”, têm direito absoluto e universal à tolerância. Se creio ou não na Trindade ou nos santos, isto não tem nenhuma influência sobre minhas relações com os outros: “Que nestas coisas cada homem tenha ilimitada liberdade decorre do fato de que simples especulações não prejudicam minhas rela- ções com os homens, uma vez que não têm nenhuma influência sobre minhas ações como membro de uma sociedade”. 13 O fato de me ajoelhar enquanto rezo ou de usar o véu não pode constituir nenhuma preocupação nem para o Estado nem para meu vizinho: “Que observe a Sexta-Feira com os maome- tanos, o Sábado com os hebreus ou o Domingo com os cristãos, que ore com ou sem preceituário, que adore Deus nas cerimônias variadas e pomposas dos papistas ou do modo mais simples dos calvinistas, não percebo nada em nenhuma dessas coisas, se forem 11 Idem, p. 69. 12 M.L. Lanzillo, Tolleranza, Bolonha, Il Mulino, 2001, p. 14. 13 Locke, Saggio sulla tolleranza, cit., p. 65. 46