Afonso Cruz
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Uma criança é um humano que entra na piscina e cresce
Lord Kelvin , físico do século XIX , disse que se poderia perceber tudo através da observação de uma bolha de sabão . Ora , foi assim que todos nós nos iniciámos na ciência , a soprar bolhas de sabão e a observá-las , pois é aí que começa a infância . No romance O idiota , Dostoiévski escreveu o seguinte sobre as crianças : « Pode-se dizer tudo a uma criança — tudo . A mim sempre espantou a ideia de que os adultos conhecem muito mal as crianças , até os pais e as mães conhecem mal os filhos . Não se pode esconder nada dos filhos , sob o pretexto de que são pequenos e ainda é cedo para eles saberem . Que ideia triste e infeliz ! E que bem reparam as próprias crianças no facto de os pais as acharem demasiado pequenas e incapazes de compreender determinadas coisas , quando elas compreendem tudo ! Os adultos desconhecem que uma criança é capaz de dar um conselho extremamente importante mesmo no caso mais difícil .» Num outro livro , Diário de um escritor , Dostoiévski desenvolve esta ideia , de que uma criança compreende o mundo com uma terrível profundidade , vislumbrando e descrevendo com notável compreensão assuntos e conceitos que à partida consideramos estarem fora das suas possibilidades , chegando a afirmar que elas , as crianças , poderão saber mais sobre Deus ou sobre o Bem e o Mal do que qualquer adulto informado . Perguntam-me amiúde , quando o assunto são os leitores mais jovens e a literatura que os inclui , se podemos — enquanto autores — abordar qualquer tema ou se há alguns que devemos evitar . Dostoiévski , no Séc . XIX , respondeu claramente a esta questão : « Pode-se dizer tudo a uma criança — tudo .» Independentemente dos argumentos ( ou intuição ) de Dostoiévski , e ignorando as inúmeras vezes em que a infância é claramente mitificada , creio existirem inúmeras maneiras de tratar determinados problemas e poderemos sempre , com algum trabalho , encontrar o ângulo certo para os comunicar . Quanto à possibilidade de uma criança nos surpreender respondendo a um problema complexo com uma naturalidade desarmante , isso só poderia espantar quem não tem qualquer contacto com crianças , apesar de todos os exageros e exaltação romântica com que se trata esta ideia . Seria , por isso , importante lembrar que se de facto uma criança pode surpreender um adulto numa qualquer resposta , seja pela limpidez da revelação , seja pela beleza ingénua , esta não é de todo a regra e mesmo aqueles que se deixam transportar pela poesia do conceito raramente o colocam em prática , ou seja , quando têm problemas tomam um comprimido ,