Paulo Faria
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Tenho um amigo português que dá aulas numa universidade , na Holanda , em Amesterdão . Gosto muito de falar com ele . Gosto muito dele . Telefonou-me há dias e contou-me uma história . Queria desabafar . Convidara um colega alemão para dar uma série de palestras na universidade dele , ao longo de dois dias . Vamos chamar Wolgang a esse professor alemão e Tiago ao meu amigo . O Tiago tem trinta e tal anos , o Wolgang tem cinquenta e tal . Conheceram-se num congresso , há uns anos , fazem investigação em áreas afins , simpatizaram logo um com o outro . Não são propriamente amigos . As relações entre eles , embora afáveis , são do foro meramente profissional , académico . Para serem amigos , disseme o Tiago , seria preciso mais qualquer coisa , terem confessado um ao outro uma fraqueza ou partilharem um grande amor . O Wolgang chegou a Amesterdão , deu duas palestras no primeiro dia , tudo correu bem . O Tiago e um grupo de colegas jantaram com ele , depois o Tiago levou-o de carro ao hotel . — À meia-noite , ele telefonou-me — contou-me o Tiago . — Desculpou-se por ligar tão tarde , mas disse que era urgente , precisava de acertar um aspecto técnico relativo à palestra do dia seguinte . E depois , no final da conversa , quase como quem se lembra de um pormenor anedótico , queixou-se de uma tremenda dor de cabeça . E acrescentou que , coisa estranha , não conseguira escrever um email à filha . Começara a escrever a mensagem , mas as palavras baralhavam-se e ele não fora capaz de continuar . Disse isto com um ar natural , ligeiramente preocupado , mas brincalhão . « Deve ser do cansaço , ando a trabalhar demasiado », concluiu . No dia seguinte , o Wolgang chegou de manhã à universidade e deu a terceira palestra . Correu bem , como na véspera . No final , enquanto tomavam café , antes de uma reunião para alinhavar projectos futuros , alguém avisou discretamente o Tiago de que notara no andar do Wolfgang qualquer coisa de estranho , diferente do dia anterior . Dir-se-ia que ele coxeava , arrastando um pouco a perna esquerda . Entraram todos na sala e a reunião decorreu normalmente . O Tiago despediu-se do Wolgang , que apanhou um táxi para o aeroporto . Tenho uma amiga que trabalhou três anos na linha telefónica de emergência da Segurança Social , a linha 144 . Vamos chamar-lhe Mariana . A linha é gratuita . Ela e os colegas recebiam dois euros e meio à hora . Não trabalhavam para a Segurança Social , tinham contrato precário com uma empresa a quem a Segurança Social subcontratara aquele serviço . Tudo era cronometrado ao segundo . Em cada hora de trabalho , cada operador tinha direito a dois minutos para ir à casa de banho , não mais . A empresa estabelecera como tempo médio para cada chamada telefónica a duração de doze minutos , independentemente da respectiva