Fluir nº 8 - Novembro 2021 | Page 26

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No quarto volume descreve bem o nosso dia-a-dia por lá . Eu enchi-me de coragem para o acalmar , disse-lhe que fazíamos o tratamento até ao fim , um por manhã nos quinze dias de cura que nos faltavam , e acrescentei « Afinal nunca tivemos luade-mel e estamos num hotel de cinco estrelas numa ilha tropical . Vamos pensar que isto é a nossa lua-de-mel ». Ele concordou . Nas duas semanas seguintes foi assim . De manhã ele era curado , aqueles filipinos escuros nunca sorriam por fora mas eu aposto que por dentro troçavam eles bem , e à tarde íamos nas excursões que o hotel organizava . Vimos um vulcão . Vimos aquele mar brilhante e transparente como jóias . Vimos a vegetação mesmo luxuriante e o povo que desenrascava mercados nojentos à beira da estrada , todos mais miseráveis que nós . Eu pensava bem feitos , é para aprenderem . No último dia , os curas fizeram uma reza geral , com todos os doentes na sala , muitos a tossir , quase todos a chorar , não sei se de ilusão ou desilusão , porque nós não falávamos com os outros estrangeiros , e ainda houve tempo para passarem um cesto grande de mão em mão como na missa . Era para deixarmos lá o pagamento dos vinte e dois dias de tratamentos . E quase tudo gastámo-lo nós em estadia , comida e excursões . Apesar de estarmos num hotel daqueles , eu tinha perdido quatro quilos e o meu marido já nem dizia nada de jeito . Tivemos de ir ao quarto buscar os dólares que restaram no forro das malas . Não queríamos mais problemas . Quando voltámos ao salão , o peditório continuava . Fui eu que atirei para o cesto os últimos dólares . Mas atirei com força , as notas fizeram barulho , que era para os outros portugueses perceberem que eu não tinha medo e que quando chegássemos a Portugal ia ser o diabo a quatro . Depois fizeram-nos um namaste , comemos juntos e seguimos para o aeroporto . Eu bem queria ter arranjado um trinta e um . O meu marido é que estava demasiado cansado para armar confusão . « Põe-te mansa , que isto já foi duro o suficiente », dizia-me ele . Mas eu ia mesmo falar com quem de direito . Só que não foi preciso . Poucas semanas depois , o doutor das Caldas deu uma entrevista a denunciar o que se tinha passado . E eu já podia descansar , era mais fácil . E assim ao menos eles iam ter o que mereciam , e nós sempre aproveitámos um pouco a nossa lua-demel .