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sabe bem por onde. Tudo à conta da Mónica, claro,
que um aviador sem avião não tem como pagar. É
que sem ter um avião para voar, um aviador não
pode fazer outra coisa, muito menos ajudar num
café, senão deixa de ser aviador, e não há nada pior
do que deixarmos de ser o que somos. É assim o
Friedrich. Mas agora vai poder voltar a voar. Talvez
até tenha razão, se se tivesse posto a lavar pratos e
a servir às mesas se calhar não tinha sabido do
concurso, abriram uma vaga para piloto da Força
Aérea, no norte, o Friedrich vai poder cruzar os
céus aos comandos de um avião de guerra. Por isso
temos de sair daqui e ir para lá. É um posto muito
bem pago, confirmei isso antes de falar com a
senhoria. A minha prima não consegue recusar
nada do que o Friedrich pede, mas em relação a
isto faz bem. Tem de se desfazer do café e deixar
este sítio a que se afeiçoou, depois arranja outro
no norte, não há problema. Se for como o Canivetes
diz, se os miseráveis estão a revoltar-se e estiver
prestes a rebentar uma guerra por lá, até vai ser
melhor, em se tendo cabeça, não há como a guerra
para tornar um negócio rentável. O meu plano é
este, ou melhor, era este, agora está tudo um pouco
baralhado, é um bom plano: com o ordenado que
vão pagar ao Friedrich, em meia dúzia de meses
fica outra vez reunido o dinheiro que o júri do
concurso pede para escolhê-lo. É uma quantia
enorme, mas é justo porque o ordenado também é
grande. O Friedrich não pode desperdiçar esta
oportunidade. E os membros do júri também não,
também eles são miseráveis. Não tão miseráveis
quanto os sem-abrigo que tive de expulsar daqui
da outra vez ou quanto os que precisam de se
prostituir ou roubar para sobreviver, mas ainda
assim miseráveis, mais miseráveis do que o
Friedrich porque nem voar sabem. Se não fosse o
dinheiro que recebem para escolherem este ou
aquele, os membros do júri também teriam de
viver na rua e fazer como os outros miseráveis
todos, prostituírem-se a sério, roubarem a sério,
talvez até se juntassem aos que se revoltam a
norte. À minha prima já não lhe sobrava dinheiro
nenhum, tudo o que os três deuses lhe deram
gastou-o a criar isto, só a partir de agora é que as
contas se iam equilibrar, só a partir de agora é que
o café começaria a dar lucro. Mas trespassando-o, a
Mónica conseguia o dinheiro à justa que o júri
pede. O problema era a senhoria aceitar, a senhoria
ia rejeitar qualquer pessoa que a Mónica arranjasse
para tomar o trespasse. Se não me chamasse, a
Mónica estava presa aqui para sempre. E o
Friedrich também.
Sou o Basílio, o primo da Mónica, lembra-se de
mim? Nada como apresentarmos um benefício de
terceiros como um prejuízo. Os outros ficam logo
dispostos a colaborar para que o prejuízo aconteça.
E mais ainda quando não gostam desses terceiros.
A senhoria não gosta da minha prima. Precisava
convencê-la de que a Mónica não tem interesse
nenhum no trespasse. Inventei um amigo meu,