Fluir nº 5 - junho 2020 - | Page 92

92 sabe bem por onde. Tudo à conta da Mónica, claro, que um aviador sem avião não tem como pagar. É que sem ter um avião para voar, um aviador não pode fazer outra coisa, muito menos ajudar num café, senão deixa de ser aviador, e não há nada pior do que deixarmos de ser o que somos. É assim o Friedrich. Mas agora vai poder voltar a voar. Talvez até tenha razão, se se tivesse posto a lavar pratos e a servir às mesas se calhar não tinha sabido do concurso, abriram uma vaga para piloto da Força Aérea, no norte, o Friedrich vai poder cruzar os céus aos comandos de um avião de guerra. Por isso temos de sair daqui e ir para lá. É um posto muito bem pago, confirmei isso antes de falar com a senhoria. A minha prima não consegue recusar nada do que o Friedrich pede, mas em relação a isto faz bem. Tem de se desfazer do café e deixar este sítio a que se afeiçoou, depois arranja outro no norte, não há problema. Se for como o Canivetes diz, se os miseráveis estão a revoltar-se e estiver prestes a rebentar uma guerra por lá, até vai ser melhor, em se tendo cabeça, não há como a guerra para tornar um negócio rentável. O meu plano é este, ou melhor, era este, agora está tudo um pouco baralhado, é um bom plano: com o ordenado que vão pagar ao Friedrich, em meia dúzia de meses fica outra vez reunido o dinheiro que o júri do concurso pede para escolhê-lo. É uma quantia enorme, mas é justo porque o ordenado também é grande. O Friedrich não pode desperdiçar esta oportunidade. E os membros do júri também não, também eles são miseráveis. Não tão miseráveis quanto os sem-abrigo que tive de expulsar daqui da outra vez ou quanto os que precisam de se prostituir ou roubar para sobreviver, mas ainda assim miseráveis, mais miseráveis do que o Friedrich porque nem voar sabem. Se não fosse o dinheiro que recebem para escolherem este ou aquele, os membros do júri também teriam de viver na rua e fazer como os outros miseráveis todos, prostituírem-se a sério, roubarem a sério, talvez até se juntassem aos que se revoltam a norte. À minha prima já não lhe sobrava dinheiro nenhum, tudo o que os três deuses lhe deram gastou-o a criar isto, só a partir de agora é que as contas se iam equilibrar, só a partir de agora é que o café começaria a dar lucro. Mas trespassando-o, a Mónica conseguia o dinheiro à justa que o júri pede. O problema era a senhoria aceitar, a senhoria ia rejeitar qualquer pessoa que a Mónica arranjasse para tomar o trespasse. Se não me chamasse, a Mónica estava presa aqui para sempre. E o Friedrich também. Sou o Basílio, o primo da Mónica, lembra-se de mim? Nada como apresentarmos um benefício de terceiros como um prejuízo. Os outros ficam logo dispostos a colaborar para que o prejuízo aconteça. E mais ainda quando não gostam desses terceiros. A senhoria não gosta da minha prima. Precisava convencê-la de que a Mónica não tem interesse nenhum no trespasse. Inventei um amigo meu,