Nessa altura os altos e baixos não servem para
nada.
Não era suposto voltar mas aqui estou. Quem é
vivo sempre aparece. Sou o Basílio, o primo da
Mónica, lembra-se de mim? Tudo porque a Mónica
está apaixonada pelo Friedrich. Quando amamos às
vezes temos de deixar de ser quem somos para
podermos cuidar melhor do nosso amor. Era
preciso arranjar tudo. Com a senhoria, que foi para
isso que vim, mas também com o Friedrich.
O corpo dorido, a cabeça a mil. Turbulento. Estou
turbu-lento. Não é mau estar assim. Não, não é
mesmo nada mau. Vou deixar-me ficar. Turbo.
Lento. Turbo. Lento. Foi bom estar aqui quando o
Friedrich apareceu. Corpo a corpo, ele e eu no chão,
deixou-me todo dorido. Também ficou, de certeza.
Corpo e cabeça doridos. Mais a cabeça até, aposto.
Agora é que a Mónica ainda vai demorar. Que isto
deve ser como com os atores, precisam de um
tempo para entrar na personagem. A Mónica
também precisa de um tempo para entrar em mim.
Só que da primeira vez foi bem mais rápido voltar a
ela, sair de mim. Sair de mim ou entrar eu nela. É
confuso.
Sou o Basílio, o primo da Mónica, lembra-se de
mim? Claro que a senhoria se lembrava, parecia
uma gata velha a ronronar.
Ficou satisfeita por me ver, percebi bem que ficou.
Tinha de ser eu a lidar com ela, a Mónica não ia
conseguir nada, a senhoria já não tem motivo
nenhum para ceder ao que quer que seja que a
Mónica peça. Muito pelo contrário. O Mil-folhas
anda triste e toda a gente sabe porquê. Agradar ao
Mil-folhas, o que a senhoria julga que é agradar ao
Mil-folhas, significa contrariar a Mónica. A senhoria
ia recusar tudo o que a minha prima pedisse.
A própria Mónica foi apanhada de surpresa. Se
soubesse que ia conhecer o Friedrich e apaixonarse
por ele, tinha posto no contrato que podia
trespassar o café sem autorização da senhoria. Mas
como é que lhe podia passar pela cabeça que um
dia ia considerar sair daqui?, a Mónica criou isto,
pertence aqui. Talvez deixemos de pertencer-nos
quando amamos, talvez tenhamos de nos entregar,
de nos deixar levar. A Mónica quer deixar-se levar,
ama o Friedrich, o aviador que não voa, quer
deixar-se levar para o norte onde ele vai poder
voltar a voar, quer fazê-lo feliz, dar-lhe tudo o que
o faça feliz.
Desde que conheceu a Mónica, o Friedrich passou a
vir para o bairro, vem quase sempre comer ao café.
Comer e beber. Também dorme aqui a maior parte
das noites, a cama ali dentro é bem melhor do que
a esteira na tenda pequenina que tem montada na
mata da outra margem do rio. Durante o resto do
dia e nas noites que aqui não vem, anda não se
91