Fluir nº 4 - fevereiro 2020 | Page 42

O mês de agosto Diana Brígida Correia O mês de agosto, os cristais e as bolhas efervescentes que sobem pelo copo de vidro e que deixam a desejar a frescura de mais uma dose de bramble com gelo picado e molho de limão. A dispersão de luz ofuscante pelas águas de cor azul celeste com o brilho em diamante ondulando conforme o vento. O açucareiro entreaberto, as tábuas de queijo da serra, a paisagem do areal ao longe, duas cadeiras verde-água que vieram de Espanha. A tarde que já se torna serão, o silêncio da noite, as pernas entrelaçadas na rede, os talheres usados deixados à beira da travessa, os risos vindos do outro lado do jardim. O filho mais velho que fechou o livro que já andava para ler desde o Natal e se deixou cair no banco de jardim. A introspeção que vai ao encontro a um poema que tinha analisado há uns anos de Pessoa, ortónimo: “Já não sei de onde vim nem onde estou/ De o não saber, minha alma está parada". O rapaz encostou- se nas costas do banco e fechou os olhos, à espera de recuperar o sono perdido das noites com os amigos, mas os versos que se recorda de ter lido em voz alta numa aula de língua portuguesa há quinze anos continuam à espera de ser reinterpretados. O passado, a infância e as experiências que o fizeram ser quem é. Entretanto, os primos mais afastados que estavam a jogar às cartas na mesinha de apoio do jantar entraram em casa e subiram para o segundo piso, o que o rapaz 42 observou pelas luzes que vê serem ligadas e pela mãe deles que os avisava de alguma coisa. O filho deu uns passos à frente, devagar, e sentindo o cansaço a apoderar-se dele. Pegou num jogo de tabuleiro mal-arrumado em cima de uma manta e levou-o consigo, sentando-se de novo. Organizou as peças e releu as regras do jogo, lembrando-se das dezenas de vezes que o tinha ganhado. Recordava-se perfeitamente dos momentos que passara naquele jardim a jogar aquele jogo, mas havia brechas impreenchíveis que não conseguia recuperar. O sentimento de glória de quando se levantava de braços no ar gritar vitória, do entusiasmo, da adrenalina que sentia quando era desafiado nas brincadeiras de criança. Pousou o tabuleiro no chão e olhou para o relógio, num suspiro de apreensão. As dificuldades diárias do seu emprego e da sua vida familiar eram como um labirinto que tinha sido autonomizado da comodidade encontrada quando criança. Mas a nostalgia que sentia tinha em conta o passado em absoluto ou era um desejo de recuperar e moldar algo que já passou conforme os óbices do presente? Era uma rejeição da imperiosidade da passagem do tempo, da irrecuperabilidade do momento exatamente como foi? O rapaz, resistindo ao cansaço e à melancolia, olhou para o céu estrelado e imaginou o Universo em seu redor. Pensou em vários momentos soltos do seu passado e em como não os poderia recuperar. Quando sentiu fome, já de madrugada, foi buscar tostas