com queijo e presunto e retomou a sua reflexão.
Ao saborear a refeição tardia, sob o ambiente
húmido e fresco das três da manhã, lembrou-se do
seu primeiro namoro. As mãos entrelaçadas e
aquecidas uma pela outra, o sangue a pulsar nas
veias, o nervosismo contido, o medo de dizer as
palavras erradas. O início que se tinha
transformado em meses de conforto e aceitação. A
adolescência, onde a autoestima variava entre
muito boa e muito má. A sensação de ter alguém
com quem partilhar momentos, a vivacidade de
duas pessoas serem uma só. Depois de todas as
experiências boas, o fim da relação revelara-se
uma descarga de emoções com as quais o rapaz
não tinha aprendido a lidar. Sentia-se fora de si
próprio, como se a sua pessoa tivesse sido
rejeitada por todos os seres humanos do mundo.
Perante esta estranheza, esta emoção
desconhecida, o rapaz teve de se abstrair do seu
passado para se focar em si próprio. Lembrou-se
do quão mais resistente se tornou, mas nunca
deixou de sentir nostalgia pela relação que tinha
tido e que perdera. Mas, de súbito, o rapaz
apercebeu-se do equívoco que criara. As memórias
não se evaporam, não deixam de ser o que eram,
não se perdem. Continuam, para sempre,
imarcescíveis em algum lado, mesmo que
eventualmente esvaziadas de utilidade por
questões alheias ao indivíduo, como o tempo que
passa ou as pessoas que mudam.
O momento existe para sempre e nunca pode ser
perdido nem desvalorizado porque fica registado
exatamente como aconteceu, por mais breve que
seja, em algum lugar no Universo. O rapaz arrumou
os pratos e talheres que tinham sido deixados na
mesa, enquanto se recordava dos instantes da sua
vida que tinham sido positivos, o que lhe causou
um aperto no peito. Com todas as falhas que já
tinha cometido, sentia-se uma pessoa diferente da
que era no passado. Com todos os erros e
oportunidades que perdera, entendeu que os
momentos de celeridade não passavam de faíscas
efémeras num bloco de imperfeições. Pensou que
este sentimento de nostalgia era a sua substância
original, espontaneamente criada desde a infância,
a pedir que fosse restabelecida. A felicidade das
pequenas coisas, a facilidade com que tinha em
comunicar com todos, a ausência de obstáculos
sociais que só nos começam a invadir quando se
ganha consciência. Sentou-se na rede onde tinha
deixado o seu livro e esticou as pernas, relaxando
os músculos e cedendo ao cansaço. É impossível
reconstruir um momento exatamente como foi e o
ser humano evolui. Mas o presente é a
metamorfose das nossas ambições e perfeições
ingénuas do passado que foram enganosamente
avelhentadas. E quanto às faíscas breves de glória
que surgem, ocasionalmente, ao longo da nossa
vida, essas são a recompensa da resistência dos
nossos fracassos. Não devem ser encaradas como
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