Há, aliás, que alertar para as inúmeras barreiras
que os investigadores têm de ultrapassar
sistematicamente em Portugal. Apesar das tantas
décadas passadas sobre a ditadura, o acesso a
documentos históricos continua a pautar-se por
uma atitude de secretismo, de dificuldade de
consulta e - pior de tudo - de discricionariedade,
que torna impossível sabermos com que regras
podemos trabalhar. Muitas vezes, mudam de
instituição para instituição e remetem de artigos
para articulados, que só um advogado (e
experiente) poderia traduzir.
Outro caso típico é o das múltiplas assinaturas e
despachos exigidos para aceder a um determinado
documento. Mesmo quando a maior parte das
vezes nem temos a certeza se esse papel nos vai
trazer algo de importante para a investigação.
Aconteceu-me com o pedido de consulta de uma
correspondência. Depois de muita insistência e
dificuldades, chega finalmente à caixa de correio
eletrónico a autorização para ler o que Sophia
havia escrito a um amigo. Abro com grande
expectativa. Mas o que toda a minha insistência e
empenho tinham para me recompensar era um
telegrama. De uma linha.
Claro que uma linha pode ser providencial numa
32 investigação. Só que não era. As palavras por que
tanto esperara não passavam de qualquer coisa
dentro do género «vou chegar atrasada».
Prova de que não tem de ser assim foi a atitude
exatamente oposta que encontrei na Alemanha,
onde pude consultar com a maior das facilidades os
arquivos que me permitiram confirmar as origens
do bisavô de Sophia, Jan Andresen. Assim como me
foi facultada cópia do diário da mulher daquele que
foi um dos melhores amigos de Jan, o capitão
Eduard Knudtsen.
Há, portanto, que ser perseverante para conseguir
alguma coisa que se pareça com a realidade dos
factos, ou seja, a realidade baseada em fontes. Até
porque, como lembra Mário de Carvalho (2014, p.
123), «mesmo a incoerência duma personagem
incoerente tem que ser coerentemente
construída».
Uma biografia é uma obra de não ficção, logo
obrigada a obedecer ao rigor da informação. Ao
contrário do que parece por vezes insinuar-se, a
ficção não tem de ser melhor do que os factos:
«Manter-se fiel aos factos é a melhor literatura de
todos os géneros - poesia, ficção ou não ficção - a
que desperta emoções, que inspira ideias, quebra
fronteiras de estilos, e questiona normas sociais»
(Gutkind, 2007). O único «problema» é que os
factos dão muito mais trabalho.
Se as fontes documentais têm as suas vicissitudes,
as testemunhais têm certas especificidades. No
caso da biografia de Sophia de Mello Breyner
Andresen, cujo centenário do nascimento se