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- Corramos a Cenóbios … - Corramos ao Chiado … - Trá la rá lari - Trá la ra la rá … Ó prazeres da Baixa , Quem vos dera cá !... ( REIS , 1896 : 447-448 )
Citados numa aparência de detalhe saudosista , os versos boémios haviam de fornecer elementos para a identificação de um sonho de opereta que se chamou « A Morte do Diabo ».
No espólio de Augusto Machado no arquivo musical da Biblioteca Nacional encontraram-se os fragmentos de uma partitura não identificada , incluindo as letras das árias respetivas , onde intervêm personagens burlescas e tão diversas como « Satanás » ou « Satã », « Méfisto », « Ventre », « Lorette », « Dandy », « Poeta » e coros de « Diabos Velhos » e « Diabos Novos », cantando os estribilhos « Antes o Penim do que isto assim !», « Antes o Chiado do que este Fado !» e a linha inserida nas lembranças de Batalha « Ó prazeres da Baixa , quem vos dera cá !», entre gargalhadas ao « estilo do Orpheu de Offenbach »: a cena passa-se no Inferno , onde diversas encarnações do Diabo sofrem um tédio de morte , tal como os deuses no Olimpo do Orphée aux Enfers de Offenbach . Se , na opereta francesa , os deuses preferem descer ao Hades para mudarem de ares , os demónios de « A Morte do Diabo » antes querem encontrar-se na abjeta boémia lisboeta do que sofrer a lenta e melancólica eternidade do Inferno , onde tudo é pelintra , criando esse « efeito de estranheza » referido por Mário Vieira de Carvalho quando analisou os primeiros textos jornalísticos de Eça , efeito que « está ainda ligado a um dos artifícios mais comuns da offenbachiada : mudar a ação para outras paragens quando o que se tem em vista é o aqui e agora .» ( CARVALHO , 1999 : 84 ) Desse mesmo tédio de que já morria , « enfastiado e silencioso », « O Senhor Diabo » de Eça , aquele Satã que , sentando-se nos degraus de um cruzeiro , canta com escárnio , depois de afinar a guitarra : « Chegará o Outono ao Diabo ? / Virá o Inverno a Jesus ?» ( QUEIRÓS , 2009 : 94 )