Fluir nº 11 - Abril 2023 | Page 42

Antes o Chiado que este fado

Irene Fialho
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O Diabo foi celebrado , na sua morte , pelos sábios e pelos poetas .
Eça de Queirós
No primeiro capítulo de « Memórias e Notas », parte biográfica d ' A correspondência de Fradique Mendes , o narrador conta , como tendo-a experimentado , a vivência da juventude literata lisboeta no final dos anos 1860 e alude às influências artísticas que a dominavam . Abominando e combatendo o « Lirismo íntimo », « enclausurado nas duas polegadas do coração » ( QUEIRÓS , 2014 : 77 ), a sua admiração inclinava-se para aqueles poetas «(…) que , seguindo o Mestre sem-igual da Légende des Siècles , iam , numa universal simpatia , buscar motivos emocionais fora das limitadas palpitações do coração .» ( QUEIRÓS , 2014 : 78 ).
Nessa busca pela novidade , o anónimo relator diz como encontrou , no acaso de uma tarde no Café Martinho , um jornal amarrotado – A Revolução de Setembro – onde a assinatura « C . Fradique Mendes » autorizava poemas sob o título global Lapidárias , cujos « temas emocionais » iam ao encontro da estética desejada por ele e pelos seus parceiros de geração . Eram esses temas a morte de um Santo solitário , a narrativa das aventuras de um corvo , a gesta de Persival na busca do Santo Graal ; mais do que estes assuntos , porém , destacava-se aquele poema em que « um Satanás de feitio germânico (…) dava numa viela de cidade medieval uma serenada irónica aos astros , “ gotas de luz no frio ar geladas …”» ( QUEIRÓS , 2014 : 79 ) e um outro , as « Velhinhas », « sentadas sobre um banco de pedra , num longo silêncio de saudade , a uma réstia de sol de Outono .» ( QUEIRÓS , 2014 : 79 ).
Segundo A correspondência de Fradique Mendes , os poemas fictícios teriam sido publicados em 1867 , mas poemas verdadeiros houve , também eles surgidos n ' A Revolução de Setembro em 1869 e que puderam ser lidos pelos contemporâneos de Eça de Queirós e Jaime Batalha Reis , criadores da personagem Carlos Fradique Mendes e da sua ficcionada obra literária . Entre esses poemas de 1869 contam-se « A velhinha » e uma « Serenata de Satã às estrelas », essas « Gotas de luz , no frio ar nevadas » que voltariam a ser referidas , anos mais tarde nas « Memórias e Notas ». Fariam parte de um livro a ser publicado por Fradique , neste caso intitulado A guitarra de Satã . A introdução ao folhetim poético , não assinada , informava os leitores do jornal acerca do « subjetivismo artístico » das composições , inspiradas pelo conhecimento pessoal que o seu suposto autor teria dos poetas satânicos franceses Carlos Baudelaire , Leconte de Lisle e Beauvile .