Fluir nº 11 - Abril 2023 | Page 38

Sentimento de um escutador

Manuel Mariz
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Ruído infinito Big Bang e tudo se movimenta absolutamente .
Ruído primordial
Ela geme ele geme tudo está certo Quando a entrega é voluntária vence-se facilmente o atrito .
Agora só a fêmea geme O gemer dele é interior Arrasta os pés no corredor a compasso das macas que atravessam os guarda-ventos que vão para cá e para lá . É menina é menino é felicidade E crescem os sorrisos do doméstico .
Ruído íntimo
Virar a página dum livro Assinar uma carta de amor que seja mesmo « ridícula » Ouvir música Dançar ouvindo música O arfar dos corpos que se dão ( tudo é movimento e desejo ) Quem os escutará na sua verdura tenra quando estremecem como as folhas aladas dos choupos que se agitam brilhantes naturalmente .
Ruído vizinho
Conta-se na praceta mesmo mesmo junto à padaria que um novo casal arrendou o sétimo esquerdo Lá vão os dois apressados para os empregos E continua a contar-se que compraram móveis usados inclusivamente uma cama usada Isso sabe-se melhor pela madrugada Acabaram de bater as portas do carro em segunda mão Ambos também já usados ela viveu na rua da farmácia uns anos com um bom rapaz mas aquilo foi um fiasco o rapaz que ali vai coitado veio do bairro de cima dum casamento breve não lhe dou muito sol Conta-se .
Ruído alienado
AS VIZINHAS NÃO SE CALAM METAM-SE NA VOSSA VIDA Era o sapateiro última relíquia do bairro que veio à porta já recolheu e toca a bater sola ENTÃO A FILHA DO MERCEEIRO SEMPRE FUGIU Os cifrões mais alto se alevantam Conta-se e a televisão confirma