A arquitetura permite-se ao sonho . Faz desenhos . E tu não sonhas , compreendes ? Achas-te engenheiro . Não me acho coisa nenhuma , respondo , mas ele não concorda . Tens de te concentrar no essencial . Tenta outra coisa , diz .
Os dias passam . Tento perceber onde falhei . Percebo que o ruído é o obstáculo que limita a consciência . Sem consciência , deixei o som deslizar atrás de mim e não atendi o pedido de casamento . E agora ? Tento eliminar o ruído . Construir um edifício suficientemente grande e complexo que filtre as diferentes fontes sonoras , aquelas que são emitidas ao mesmo tempo , fazendo variar as direções e as amplitudes . Preciso de ouvir apenas o cristal . Trabalho nesse edifício de linhas parabólicas e hiperbólicas , que divide o sonho da realidade e orienta as frequências . mundo . Os críticos dividem-se . Uns reconhecemme e dizem que destruí por completo os 4 ' 33 , do artista norte-americano , enquanto outros , oriundos de outras geografias , dizem apenas que reinventei a forma de viver os sons . Não sei onde me situar . O tempo esgota-se . Chove bastante . A lua projeta-se no asfalto molhado e ligo novamente . Quando atendes pergunto se não queres casar comigo .
Fim
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V . Passo os dias enfiado no quarto a desenhar esse edifício em construção . Não sei se é um projeto de engenharia , de arquitetura , ou uma inimaginável composição musical . Iánnis Xenákis também era engenheiro . Também ele percebia a importância dos espaços para a definição da música . Já não vejo prédios nem montanhas . As ruas tornam-se secundárias . Publico o meu trabalho numa revista da especialidade , com ligações diretas ao resto do