O Grito
Sérgio Nazar David
Esferas
Sérgio Nazar David
O ciborgue pouco a pouco toma conta de todos os meus sentidos e não sentidos . Estou dentro do ciborgue contando ossos , cortando fios , ouvindo ruídos . Hoje meu corpo é menos meu . O ciborgue pouco a pouco toma conta de todos os meus sentidos e não sentidos . Há dias em que movo a alavanca , noutros paro e ouço a respiração quase inaudível , sua e minha , e busco meios os mais pacíficos de fazê-lo adormecer . O ciborgue me obriga mas também eu o escravizo por circuitos em que depois mal nos alcançam . Evito guerras sem planos , palavras difíceis , jogos só pelo que nos pode prender no vazio . Às vezes não consigo . Depois vejo : era contra os ardis da oblíqua máquina o meu grito .
Escreve , a vida é longa . Põe de lado os óculos partidos . Lembra como era aguda e nua a surdez daquele teu amigo ( do escafandro ). Por ora esta carta-poema , bomba invertida . Releva a letra e o embrulho . O melhor que pude . Ontem o alarido de pássaros em casa . Foi sempre desse modo ?, me pergunto .
30
[ Inédito - para ler com “ Lírica do ciborgue ”, de E . M . de Melo e Castro] [ Inédito ]