Fluir nº 11 - Abril 2023 | Page 19

solitário vagabundo de mil sóis de mil sexos

José Antunes Ribeiro
solitário e vagabundo de mil sóis de mil sexos escrevo como quem ama . como quem tem memória . como quem tem toda a pressa do mundo e todo o vagar da morte . escrevo só . vagueio neste infinito espaço à espera da lua cheia e de uma brisa marítima . estou só . a minha memória é a única coisa que me prende às pessoas às coisas ao mundo . memória excessiva memória ténue pequenino sopro que voga neste tempo que me cabe viver . como escrever toda a angústia do universo se a maior dor de todas é saber-me acompanhado e sempre à espera do indizível . um homem e uma mulher são portadores de toda a história do mundo . que acasos comandam a nossa vida ? escrevo a solidão infinita que me move em busca de tudo e de coisa nenhuma . em boa verdade nada espero e tudo desejo o meu pensamento viaja no éter quase nada já sei de mim . escrevo pois como quem ama infinitamente só infinitamente acompanhado . memória das águas do meu mar memória de todos os gestos inventados memória da maior ternura consumida sob os astros memória de mim memória de uma mulher encontrada à esquina do tempo memória da minha infinda solidão neste dia em que escrevo todas as coisas da vida e o sem sentido de quase tudo isto que me rodeia . solitário e vagabundo de mil sóis de mil sexos busco a perfeição das coisas imperfeitas sabendo que esta dor não tem remédio e que nada nem ninguém me vergará ao peso da infâmia destes dias de ódio e sofrimento .
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