Fluir nº 11 - Abril 2023 | Page 17

em nenhum jardim , em buquê nenhum , em nenhum livro de Botânica .
Certamente por isso ninguém deu esse nome a uma flor .
Gosto da palavra “ potência ”, que nasce num impulso da letra P , explode na tônica em T e se desfaz mansamente , amante saciada .
Gosto da palavra “ aurora ”, que é o próprio Sol nascendo . E da palavra “ lua ”, que , a rigor , devia nomear apenas a minguante .
Gosto , autorizado pela Adélia Prado , da palavra “ cu ” (“ cu é lindo ”, ela disse , num poema ). Se “ bunda ” é palavra redonda , roliça , anunciando abundância , “ cu ” é sua antítese , seu antípoda . Mínimo , tímido , conciso , acuado , monossílabo e monossilábico . Como quem não quer ser visto , nem notado . Cu . para a profundeza . E da palavra “ túmulo ”, a mais pesada , que acumula o peso de uma vida na gravidade da proparoxítona , e nesse T abrindo a cova ( cova em U ), o M se amontoando sobre ela , e o L lacrando tudo .
Gosto das palavras “ silêncio ”, “ labareda ”, “ península ”, “ orgasmo ”, “ atônito ”, “ atrito ”, “ impulso ”, “ almofada ”, e não creio que seja preciso dizer o porquê .
Gosto , por fim , da palavra “ fim ”, que começa como um sopro , dura quase nada , e se encerra nesse M que parece ir decaindo até sumir de vez .
A vida devia se chamar assim .
Gosto da palavra “ escárnio ”, em que se ri rasgando a carne . Da palavra “ punhal ”, que é palavra só lâmina ( como diria João Cabral ). Da palavra “ abismo ”, com um A numa borda , um O na outra , e no meio um I te arrastando
17