Fluir nº 11 - Abril 2023 | Page 16

Esplendor e Sepultura

Eduardo Affonso
16
Não luto com as palavras — luta vã , disse o Drummond . Eu gosto delas .
De algumas mais que de outras , como acontece com as pessoas , as comidas , as fases da lua .
Gosto da palavra “ fracasso ”. Me soa como algo que se parte fragorosamente e então despenca no abismo . Imagino um glaciar fraturado ruindo rumo ao fundo do mar . Isso é “ fracasso ”.
Gosto do verbo “ ruir ”, quase uma onomatopeia , um despedaçar , um esfarelar , um cair em si — o R do início e o R do fim , por fim juntos no mesmo pó .
Gosto de monossílabos . Dor . Mar . Mão . Pé .
Das palavras que , na língua portuguesa , traduzem em som aquilo que nomeiam . “ Perna ”, por exemplo . Pode haver palavra mais carnuda ? Por contraste , pense em “ leg ”, sua equivalente em Inglês : coisa fina , amorfa , desmilinguida , sem tônus algum . Leg . Perna . Qual desperta desejo , volúpia , vontade de apalpar ?
Gosto da palavra “ apalpar ”, que vem como a palma da mão , tateando a pele .
Da palavra “ pele ”, que se estica entre lábio e dente feito uma película .
Gosto da palavra “ lábio ”, que faz o percurso inverso — a língua tocando o dente para anunciar um beijo , lábio e lábio se encontrando .
Pronuncie a palavra “ lábio ” devagar , e sinta o balé a que ela te convida .
Discordo de quem disse ( foi Shakespeare , eu sei , mas não quero discordar de quem não está aqui pra se defender ) que a rosa teria o mesmo perfume se tivesse outro nome . Não teria .
A rosa só cheira a rosa porque se chama “ rosa ”. É o nome — que vem rompendo a garganta feito espinho e desabrocha num zumbir de abelhas — — que lhe dá perfume .
Imagine se a rosa se chamasse , por exemplo , “ fronha ”, que é a palavra mais feia do idioma . “ Fronha ” é um amarfanhado de duas sílabas tronchas , que deveria designar — se tanto ! — a parte menos nobre do intestino grosso .
Uma flor chamada “ fronha ” não entraria