Fluir nº1 - Renascimentos - 2018
lado, um lugar que me pergunta onde estou e não
responde. O anoraque está pousado em cima do tapete
no chão da casa que é esta, a casa que eu conheço. As
almofadas que me seguram ainda estão na cama onde
agora durmo e acordo. O anoraque, a ambulância, o
tapete, as almofadas, eu, entre os dias passados e o dia
em que nasci pela segunda vez. O lugar, afinal,
respondia, eu é que ainda não sabia ouvir.
Estás aqui, na tua casa verdadeira, com o teu nome
verdadeiro.
Mamã, foste tu que tiraste a fotografia?
Não, foi o teu pai, eu estava mesmo ao lado dele.
Só as borbulhas têm cor, na fotografia, eu não tenho
cor nenhuma, pareço feito de cera.
Não apanhavas sol, na tua primeira vida.
Preferia não ter tido essa vida.
Tens razão. Mas agora fica aqui guardada. Só vens
visitá-la quando quiseres.
Nunca mais quero abrir essa gaveta.
Ainda não abri a gaveta. Talvez quando for crescido,
quando tiver a força do Super Homem. A ambulância
amarela está aqui, posso esconder-me nela sempre que
quiser. Acho que tive sorte por ter nascido duas vezes e
continuar eu.
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