Fernando Meirelles na TRIP 1 | Page 6

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Meirelles em Ribeirão Preto, terra de sua mãe, com a tocha olímpica; ao lado, com o neto; na outra pág., cenas marcantes da abertura da Rio 2016 no Maracanã
Com o conhecimento de quem perdeu a indicação para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, e no ano seguinte recebeu quatro indicações às categorias principais: que filme você escolheria para disputar a indicação pelo Brasil este ano? Esta pergunta é uma arapuca que, sendo safo, prefiro pular. A resposta poderia aborrecer algum amigo não escolhido. Para quê?
Ora, por que você é o brasileiro que foi mais longe no Oscar, que conhece os bastidores da Academia na prática, não só na teoria. Pois é, mas entre os filmes indicados conheço quase todos os diretores. Prefiro não ter que escolher.
O momento político mais ajuda ou atrapalha Aquarius? O protesto contra o“ golpe” nas escadarias do festival de Cannes me pareceu meio fora de lugar, não precisava expor o país daquele jeito. Mas ajudou a dar visibilidade, ainda mais pelo filme falar de resistência, como o protesto. Não achar o protesto oportuno não me impede
de admirar o filme nem o seu diretor. Gostei demais de Aquarius. Um filme sem uma trama complexa, que se constrói a partir de pequenos gestos, poucas falas e vai acumulando uma poderosa carga emocional. Um filme muito difícil de ser dirigido. É chover no molhado dizer que o Kleber [ Mendonça Filho ] é um dos grandes diretores no Brasil.
Você escreveu“ golpe”, estre aspas. Tecnicamente, a palavra não se aplica. Golpe é uma tomada de poder fora da lei. No caso da Dilma ou do Collor, houve um longo processo proposto e acatado pelos congressistas. Assim como a presidenta, cada pessoa daquele show de horror da votação do impedimento foi eleita democraticamente, gostemos delas ou não. Houve prazo de defesa, todos os ritos foram cumpridos e o STF( indicado pelo próprio PT) aprovou o processo por 9 votos a 2. Claro que a pedalada fiscal foi usada como pretexto, assim como a mentira do Cunha na CPI e o Fiat Elba do Collor. O diabo está nos detalhes. Não houve golpe, mas uma tremenda
trairagem de um grupo, que viu oportunidade no apoio popular( como mostrou a última eleição) e se juntou para sentar na cadeira.
Foi a alguma passeata este ano? Não fui a passeatas pró-impeachment, porque eu era contra o impedimento. E não fui nas passeatas que apoiavam a Dilma, porque preferia que ela deixasse o governo por sua má gestão e visão ultrapassada. Sim, é possível ser contra o impeachment e ser crítico ao governo Dilma ao mesmo tempo. O Brasil não é um long play, com apenas dois lados. Torci para que o TSE impugnasse a chapa Dilma-Temer pelo uso de caixa dois na campanha, agora já comprovado por quem fez doação na base da troca. Uma nova eleição teria sido uma boa saída.
Você já fez campanha política para PT, PS- DB, PMDB e, na última eleição presidencial, para Rede. A esperança supera a experiência? Participei dos dois primeiros programas nacionais do PT, ainda nos anos 80, quando o partido começava a mostrar a sua cara.
foto Washington Alves / Exemplus / COB
fotos tocha Rio 2016-André Luiz Mello com o neto arquivo pessoal

“ Sim, é possível ser contra o impeachment e ser crítico ao governo Dilma ao mesmo tempo. O Brasil não é um long play, com apenas dois lados”

Acreditava na renovação e na viabilidade daquele país de que os programas falavam. Do programa do PSDB e da campanha para governador do Paraná do PMDB, que a produtora [ Olhar Eletrônico, que fundou com amigos antes da O2 ] fez, não participei diretamente. Lembro que foi muito duro para a produtora chegar até o final daquele trabalho. Quando acabamos, decidimos nunca mais fazer programa político.
O que houve? O coordenador da campanha fez uma bagunça no próprio escritório, e nos pediu para gravar dizendo que havia sido uma invasão da oposição. Nos recusamos, fomos ameaçados, deu ruim. A relação azedou de vez, terminamos aos trancos e barrancos. Isso foi nos anos 80. Nunca mais.
Para a Rede, você faz na pessoa física ou com a O2? Quando colaboro com a Rede minha condição é ser voluntário, não um trabalho profissional. A O2 nunca fez nem fará programas para partidos. Dou uma força para a Rede, o único partido que compreende a urgência de mudar nossa maneira de viver, de consumir, de produzir, de gerar energia e até de fazer política. Imagine o que geraria de trabalho e oportunidades mudar nossa matriz energética? O governo Temer vai entregar o pré-sal para empresas estrangeiras, quando o certo seria esquecer o pré-sal. A era do petróleo acabou. Imagine uma agricultura que apoiasse os pequenos produtores, e não só o agribusiness, como fez a melhor amiga da Dilma, Kátia Abreu. Curioso gente que quer mudança e elege candidatos com um modelo de desenvolvimento tão ultrapassado.
Se pudesse voltar e fazer diferente uma única coisa da sua vida, o que seria? Poderia escrever uma lista das coisas que preferia não ter feito ou vivido. Uma vez, estava sentado no peitoril de um terraço no primeiro andar de uma fazenda. Descascava laranja e dava para a minha filha, que tinha 4 anos e estava no meu colo. Não sei como, ela fez um movimento e se atirou lá embaixo. Tentei agarrar pela roupa, mas escapou. A sensação dessa escapada, o barulho dela batendo no chão e a visão dela imóvel foi talvez o pior momento da minha vida. Até levar para um hospital e saber que estava tudo bem, foi um sufoco. O que eu faria de diferente seria não comer laranja naquele dia.
Para terminar: se sentiu mais inteligente e menos cabotino por e-mail? Não me senti mais inteligente, mas acho que pareci mais culto. Sobre como funciona o imposto sobre herança nos EUA, por exemplo, sabia de orelhada. Para escrever, fui buscar a informação mais certeira. Muitos leitores podem ter achado que sou muito mais informado do que sou. [ Menos de um minuto depois, envia outro e-mail.] Caiu uma ficha agora: é exatamente esse tipo de coisa que faço o tempo todo e chamo de autossabotagem. Poderia ter deixado o leitor achar que sou muito esperto, mas entrego meu truque. Isso não tem cura.
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