Ewe O conto das Folhas Sagradas Livro Ewe o conto das folhas | Page 33

fala normalmente está sendo só para responder perguntas relacionadas aos meus textos, como se eu estivesse sendo objeto de estudo.Se é pra falar das nossas dores, não rola de ser um monólogo. O empoderamento é sim um caminho de flores, e justamente por isso é preciso saber caminhar. Acredito que este seja o motivo do empoderamento ser um processo da vida toda, aprendemos e erramos certo? Desconstrua-se para construir. À todas as bichas Nagô força na caminhada! Geledés* trecho retirado do texto “Parem de dizer às mulheres negras que sejam fortes!” por Élida Aquino. Link:http://www.geledes.org.br/parem-de-dizer-mulheres-negras-que-sejam-fortes/#axzz3YYqvt5wu Cabelo crespo empodera Nos últimos dias resolvi fazer um penteado diferente. O tal penteado, fez meu cabelo parecer menor, e com isso, uma chuva de “elogios”: -“Nossa, cabelo novo! Tá bem mais bonito agora.” - “Ah, agora sim! Adorei o novo cabelo!” Esses e tantos outros “elogios” compuseram meus dois últimos dias. Pessoas do trabalho e de outros lugares que nunca nem se deram o trabalho de olhar nos meus olhos e desejar uma boa tarde, agora decidiram se abrir igual flor, ficar de sorrisinho e mimimi. Posso falar? Se fecha! Vocês não estão me elogiando. Pelo contrário, me sinto ofendido! “Nossa, cabelo novo! Tá bem mais bonito agora.” Bem mais bonito agora? Qual é o problema do meu cabelo solto? É a cor? É o volume? A textura? Ou é seu ra- cismo colocando a cara no Sol? Desde os 15 anos estou nesse processo capilar. E pela primeira vez estou sabendo lidar com o meu cabelo. E acima de tudo, estou amando lidar com meu cabelo. Por causa da falta de representatividade e do racismo, eu raspei a minha cabeça tantas vezes que eu já até perdi as contas. Mesmo com os traços “negróides” em evidência, a minha identidade racial sempre foi bem confusa, até então. Lembro que ao responder questionários como o do enem e afins, eu sempre assinalava a opção “caucasiano”. Foi preciso que uma amiga me falasse “acorda, você é negro!” para que então eu refletisse sobre essa crise de identidade. O contato com a textura do meu cabelo foi certamente de extrema importância para que eu enfim me reconhe- cesse como negro. Eu compreendo que em outros casos, o cabelo não tem um papel tão importante na construção dessa identidade apagada pelo racismo, mas não podemos ignorar o quanto o cabelo crespo empodera também. Lembro-me da primeira vez que garfei meu cabelo, eu realmente me sentia forte e lindo, mesmo com os olhares e risadas me dizendo exatamente o contrário. Eu não me deixei abater, pois sabia que quando eu encontrasse as minhas amigas na estação, nós seríamos a maioria. Todos nós com o crespo garfado, alto e volumoso. Tá vendo como representatividade importa? Todos têm o direito de olhar para o meu cabelo e pensar o quão ridículo eu pareço. Mas quando isso sai do plano pensar, e parte proplano falar / rir / apontar aí a coisa é diferente. Meu poder de embate ainda é tão pouco 33 perto das pretas guerreiras que me cercam, mas o empoderamento está transformando isso aos poucos.