Ewe O conto das Folhas Sagradas Livro Ewe o conto das folhas | Page 29
FOLHA DA COSTA
Lembramos a condição dos nossos ancestrais escravizados vindos para o Brasil, em condições sub-humanas, doen-
tes, com ferimentos profundos, sem direitos a auxílio para curar suas dores e feridas. Veem suas ervas e folhas, sendo
arrancadas pelo caminho quando estavam sendo levados para as embarcações, o entendimento que somente estes seriam
seus remédios e unguentos naturais para auxilio em sanar suas dores e manterem-se vivos diante de seus subjugadores.
Falamos então da folha da costa, folha da fortuna, Kalanchoepinnata como é conhecida cientificamente e que vem da
Ilha de Madagaskar em África, que foi a folha arrancada pelos negros escravizados e trazida para cá como balsamo consolador
de suas dores e ferimentos. Folha esta que para procriar necessita somente de umidade, suas raízes germinam em condições
simples e semiúmidas, para manterem o remédio colocavam as folhas nos ouvidos narinas e partes úmidas do corpo, então
elas se enchiam de raízes e cresciam, como crescia as dores e maus tratos dos escravizados até a chegada em terras novas.
Esta folha é eixo central do controle existencial, cuidando do equilíbrio mental e suas ramificações e
causas diante do desconhecido, da exaustão em resistir na sobrevivência da travessia no atlântico sem fim. Pre-
venção ao desconhecido, fortalecimento para a continuidade da vida em novas terras. Equilíbrio, garra, segu-
rança ao ver as raízes das folhas sendo sustentadas pelos orifícios de um corpo frágil e sem futuro conhe-
cido, sendo impulsionado somente pelos caminhos incertos, sem direção, sem objetivos, sem segurança. Tendo
a garra das raízes em seu corpo auxiliando como precaução e sustentação energética para se manter vivo.
Assim também é para nós nos dias atuais, onde temos controle de nosso corpo, de nosso templo, dentro dos
direitos e deveres para com ele. Onde mantermos um consenso entre o que me pertence e o que pertence ao outro,
isto ajuda a ter uma melhor qualidade no viver com este outro, dentro dos quereres e saberes da condição em
viver em sociedade, para nós de religiosidade afro brasileira, é de fundamental importância mantermos o corpo
sadio dentro do meu prazer e do uso deste prazer para manter a conexão com o sagrado. Vivemos em uma socie-
dade preconceituosa e intolerante, onde o apontar, se refere em não pertencer a um grupo, sendo então rejeitado
e banido deste grupo ficando à mercê da pressão social, levando o indivíduo a perturbações psicossomáticas, que
na maioria das vezes não conseguem ultrapassar, levando nos dias atuais muitos de nossos jovens a suicídios, a
se renderem a subjugação dos seus açoitadores e vivendo sem estimulo para a vida, sem perspectiva de ideias e
de caminhos, sendo mais um alienado diante da sociedade exigente de regras, fórmulas e moldes em série. Cada um/
uma é um/uma diante da criação e de suas necessidades, físicas, sexuais, espirituais, é nisto que acreditamos.
Neste caso a folha da costa é fundamental no culto do sagrado afro brasileiro, onde dá caminho e direciona-
mento para muitas situações, sem distinguir um do outro, é como uma folha coringa, não maltrata, ou dificulta a cura
espiritual ou física é muito energética e tem seu valor para as situações espirituais, sendo utilizada para energizar
e centrar o corpo e manter a tradição de ser o templo do Orixá, inkinse, Vodun, encantados etc. Também muito usada
para banhos, unguentos, pois em sua composição é rica em analgésico, antibactérias, é antifúngica, anti-inflamatória,
antisséptica, tônica pulmonar, refrescante intestinal, depurativa, diurética, cicatrizante em abscesso, afta, afecções
respiratórias, cálculo renal, calo, estomatite, febre, ulceras digestivas, verrugas, feridas e erupções de pele.
Destaco aqui a importância desta folha para os escravizados trazidos para nosso país, e a difusão desta sa-
bedoria que é utilizada ainda hoje para manter a cura e o corpo sadio, mas digo nada disso seria de importância re
levante se não entendermos que também temos a medicina e a ciência para nos auxiliar nas questões que necessitarmos
diante das doenças que acometem o corpo humano dentro da perspectiva urbana e sociais em que vivemos atualmente.
O quanto escravos somos do corpo na dimensão humana?
por Iyálorixá Cristina D’Osun
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