"Estou a trabalhar no meu 4º disco de originais" | Page 6

A Pequena Boneca de Trapos: Qual a melhor memória que tens e que nunca chegou a ser vista cá fora?

Filipe Santos: São imensas. dediquei uma capitulo do meu livro "Acordar dentro de um sonho" que fala sobre essa enorme experiência. Para responder a esta questão transcrevo uma dessas "histórinhas" intitulada "Abre-te Sésamo".

"Dois meses tinham passado, o trabalho diário das aulas aumentava com o grau de exigência que nos era pedido pelos professores e produção do programa.

A olhos vistos a Escola de alto rendimento artístico, ia ficando cada vez mais vazia com a saída dos colegas que iam ficando pelo caminho. As saudades aumentavam sobre tudo aquilo que éramos nas nossas vidas pessoais, da família, dos amigos, do sabor de um simples café que não nos davam na escola (porque faz mal às cordas vocais), das noites, de respirar ar natural sem ser o ar condicionado da escola, ligado 24 horas diárias, da luz do dia, sem ser luzes de estúdio que eram sempre as mesmas do acordar ao deitar, da noite que eu adoro, de ver as estrelas a brilhar no céu, da magia da lua.

Dois meses tinham passado e tinham-me privado de tudo isto e mais alguma coisa, mas era assim mesmo. Eu sabia para o que ia, eram as regras do jogo.

Podiam-nos privar de tudo, menos do dia e da noite. os quartos tinham janelas de correr que estavam seladas com uns parafusos de fendas que nos impediam de as abrir. A claridade entrava através delas, nós não víamos o exterior porque elas estavam revestidas com uma película autocolante branca.

Entrei no quarto dos homens e reparei que o Gonçalves estava ao pé da janela com um cinto na mão, achei muito estranho e aproximei-me dele. perguntei-lhe o que é que ele estava a fazer. Ele, alarmado, olhou para mim e meteu o dedo nos lábios, o que significava silêncio. Percebi que estava a infringir os regulamentos da Escola, fixe... isso era bom, muito bom.

Se falássemos, a produção ouvia-nos na régie e ia verificar o que estávamos a fazer.

Com o cinto na mão, ele segurou na fivela e com umas das partes começou a desenroscar o parafuso que trancava a janela de correr. Depois de tirar o parafuso veio a parte melhor , o Abre-te Sésamo. Ele pegou no puxador e, muito devagarinho, abriu 2cm da janela. radiante por duas razões: pela claridade do sol que nos encandeou e desenhou no chão um raio de luz, e pela surpresa de vermos o exterior.

6