Educação - Extinção de Escolas Rurais, em Goiás Educação - Escolas Rurais em Extinção | Page 2
14 / O POPULAR GOIÂNIA, domingo, 16 de setembro de 2018
VIDA URBANA
Escolas
rurais em
extinção
EDUCAÇÃO Em 17 anos, municípios goianos fecharam
71% das unidades escolares que funcionavam no campo
Galtiery Rodrigues
[email protected]
Pelorádio daKombi,cheia de
estudantes, era possível ouvir a
propaganda eleitoral obrigató-
ria. Enquanto o político da vez
expressava com eloquência de
candidato a frase “Educação é a
solução”, os jovens que estavam
a caminho de casa, após mais
umdia de aula na cidade,aguar-
davam dentro do veículo sob o
soldemeio-diaqualseriaasolu-
ção encontrada pelo motorista
para fazer o carro funcionar no-
vamente. “Uma das velas quei-
mou”, disse ele, já nervoso. E
quem deu jeito na situação foi o
paideumdosalunos,quepassa-
va de trator na hora e puxou a
Kombi com uma corda até che-
garàpartemenosíngremedaes-
trada de chão, em Hidrolândia,
a35quilômetrosdeGoiânia.
Arealidadedecriançaseado-
lescentesquemoramnazonaru-
ral, em Goiás, e precisam fre-
quentar a escola está cada vez
mais suscetível a esse tipo de si-
tuação, devido à necessidade de
deslocamento diário para as ci-
dades. Nas últimas décadas, os
municípios goianos viveram
umprocessoacentuadodedimi-
nuição da quantidade de escolas
nas fazendas, o que tem restrin-
gido cada vez mais as opções ao
meiourbano.Em2000,Goiásti-
nhaumtotalde1.824 escolasru-
rais, conforme dados do Censo
“
O deslocamento
diário afeta
diretamente o
processo cognitivo da
criança. Ela chega
cansada na escola”
AdilsonAlvesda Silva,
mestreem Educação
Escolar. No ano passado, o nú-
mero chegou a 528, ou seja, uma
redução de 71% em 17 anos. No
mesmo período, no País, teve
uma queda de 48,1% e, no Cen-
tro-Oeste,de56,5%.
Oargumentodopoderpúbli-
coédequeademandatemdimi-
nuído,em decorrência do êxodo
rural e da consequente redução
da população no campo. “Não
compensa manter uma escola
na área rural para atender pou-
cosalunos.Ficamuitomaisone-
roso para a prefeitura garantir
um ensino de qualidade numa
escola rural do que transportar
os alunos e oferecer o ensino na
cidade”, alega o prefeito de Hi-
drolândia e presidente da Agên-
cia Goiana dos Municípios
(AGM), Paulo Sérgio de Rezen-
de. Por outro lado, existe tam-
bém a visão de quea diminuição
de pessoas vivendo no campo é,
na verdade, resultado da ausên-
cia de incentivos, e a presença
deescolasseriaumdeles.
“Diminuir a população, está
diminuindo mesmo, mas o que
seria mais fácil para os prefei-
tos? Seria levar dois, três profes-
sores para o meio rural ou levar
40 alunos para a cidade? Eles es-
colheram o que era melhor para
eles e mais danoso para as famí-
lias”, contrapõe o presidente da
Federação dos Trabalhadores
Rurais na Agricultura Familiar
de Goiás (Fetaeg), Alair Luiz dos
Santos. Entre 2000 e 2015, a
quantidade de pessoas vivendo
na zona rural, em Goiás, confor-
me o Instituto Brasileiro de Geo-
grafia e Estatística (IBGE), redu-
ziu 8,5%, que seria o mesmo que
51,5milpessoasamenos.Aredu-
ção nacional, no mesmo perío-
do,foide1,73%.
LEGISLAÇÃO
Mestre em Educação pela
Pontifícia Universidade Católi-
ca de Goiás (PUC/GO) e profes-
sor do curso de Pedagogia, Adil-
son Alves da Silva, reconhece
que a população rural passa por
um processo de envelhecimen-
to, mas frisa, além de entender
esse fator como um desdobra-
mento da falta de incentivos pa-
ra a permanência da juventude
no campo, a existência de leis
que vêm sendo negligenciadas.
Em termos básicos, uma delas é
Trator reboca Kombi que faz o transporte de alunos da zona rural de Hidrolândia: t
o próprio Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA), que, no
Artigo 53, expressa que deve ser
asseguradaaigualdadedecondi-
ções para o acesso e permanên-
cianaescolaequeesteacessode-
ve ser facilitado pela presença
de escolas públicas próximas à
residênciadoaluno.
Outro aspecto é a previsão na
Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação Nacional de que a oferta
de ensino na zona rural deve se
adequar às peculiaridades do
campo, com conteúdo curricu-
lar, calendário e metodologias
apropriadas às necessidade e in-
teresses dos alunos da região.
Nessesentido,aescolaagiria,in-
clusive, destaca Adilson, como
um elemento aglutinador, de
atratividade e enraizamento da
tradição rural. “Toda vez que
umaescola fecha, oprejuízonão
é apenas material, mas afetivo
também. Quando uma escola é
desativada no campo, todas as
questões simbólicas da zona ru-
ral são menosprezadas”, afirma
o professor. Uma situação que
ilustra bem essa realidade é a es-
colaJoséRamosTeles,emHidro-
lândia, que virou depósito de
produtosagrícolas.
Na prática, expõe a superin-
tendentedeInclusãodaSecreta-
ria de Estado de Educação, Cul-
tura e Esporte (Seduce), Márcia
Rocha Antunes, a presença ou
não de escolas no campo é mais
complexa do que a mera ques-
tão administrativa. O processo
de urbanização é real, com au-
mentopopulacionalnomeiour-
bano, em Goiás, de 38,1% em 15
anos e, paralelo a isso, a agricul-
tura familiar tem perdido espa-
ço para as grandes lavouras. “Is-
so muda toda a configuração do
campo. A gente vem trabalhan-
doparaentenderessemovimen-
to e articular melhor o atendi-
mentodosestudantes”,dizela.
Rotina de sacrifícios para estudar
No dia a dia, a rotina de quem
morano campo e precisa se des-
locar diariamente para a cidade
para estudar segue horários que
impõem certo sacrifício. Acor-
dar de madrugada é regra para
quem estuda de manhã e che-
gar em casa já à noite é comum
para quem estuda à tarde. Isto,
sem contar o cansaço ocasiona-
do pelo trajeto, cujas implica-
ções nem sempre são previsí-
veis, pois estão sujeitas às varia-
ções climáticas, situação do veí-
culo que realiza o transporte e,
claro,àscondições daestrada.
O risco não deixa de existir.
Apesar de a qualidade do trans-
porte ter melhorado nos últi-
mos anos, depois de muita rei-
vindicação dos pais, Luciana da
Silva, de 43 anos, e o filho Ga-
briel de Oliveira, 17, guardam
na memória histórias do passa-
do, de quando o garoto come-
çou a sair de casa, na zona rural
de Hidrolândia, para ir estudar
nacidade.“Ocarroestragavato-
dodiaquasee,comisso,elefalta-
va mais do que ia. Teve uma vez
que a Kombi pegou fogo na com
osmeninos dentro”, relataela.
Hoje Gabriel estuda de ma-
nhã.Otransporte passapor vol-
ta de 6 horas na porta da fazen-
da e ele acorda todos os dias em
torno de 5 horas para chegar na
escola às 7 horas em ponto,
quando nada de excepcional
acontece e o veículo não atrasa.
No começo, ele estudava à tarde
e tinha de sair de casa por volta
de 10 horas para caminhar com
a mãe cerca de 2 quilômetros
atéopontoondeaKombipassa-
va e, com isso, chegar na escola
às 13 horas. “Já teve pior. Hoje
melhorou”,afirma.
Nas regiões Norte e Nordeste
do Estado, segundo o presiden-
tedaFederaçãodosTrabalhado-
res Rurais na Agricultura Fami-
liar de Goiás (Fetaeg), Alair Luiz
dosSantos,éondeosalunospre-
cisam percorrer as maiores dis-
tâncias. “Às vezes, você pega
uma criança que está a50 quilô-
metros da escola, mas o ônibus
anda 100 quilômetros porque
vai passando de lugar em lugar,
e a condição das estradas não é
boa”,diz.Niquelândia éomuni-
cípio que possui a maior malha
detransporteescolar do Estado.
Desde 2015, conta a superin-
tendentedeInclusãodaSecreta-
ria de Estado de Educação, Cul-
tura e Esporte (Seduce), Márcia
Rocha Antunes, as rotas vem
sendoreavaliadaseredimensio-
nadas,até mesmo paranãofica-
rem presas dentro de um único
município. Novas linhas foram
criadas e foi feita uma articula-
ção com os prefeitos para mini-
mizar o tempo de deslocamento
dos estudantes. Em 2010, eram
98 cidades goianas que não pos-
suíam nenhuma escola rural.
Em2017, passaramaser 105.