Ramon Cardoso ramon @ jornalinformante. com. br
P ara quem foi adolescente nos anos 90,“ Trainspotting” era uma obra obrigatória. O filme de Danny Boyle, de 1996, que já tinha alcançado projeção mundial com o também ótimo“ Cova Rasa”, dois anos antes, era chocante, grotesco, pesado, violento. Porém, sobretudo refletia uma triste realidade e, talvez justamente por isso, seu impacto tenha sido tão forte. Se é possível estabelecer um paralelo próximo, o universo do consumo desenfreado de heroína que acometia Edimburgo, bem como outras importantes cidades do Reino Unido, nos anos 80 e 90, era o que se assemelhava à epidemia de Aids entre jovens( e consumo de outras drogas, ainda que mais leves) em Nova Iorque, retratada no também grande“ Kids”, de Larry Clark, rodado em 1995.
Em comum, uma juventude perdida, sem rumo e sem freio, mas o filme americano era algo mais experimental, tanto que os jovens que protagonizaram a obra sequer eram
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atores à época. Esteticamente, a obra de Boyle é um primor, alicerçada em Ewan Mc- Gregor( Mark Renton), que já havia feito Cova Rasa e tinha uma projeção que transcendia o território escocês.
Trainspotting foi baseado no livro homônimo, um tremendo sucesso de vendas, escrito por Irvine Welsh, em 1993. Em 2002, ele lançou“ Porno”, que era a sequência da história, com os mesmos personagens, uma década mais tarde. O cineasta se interessou pela adaptação, mas esperou transcorrer um período de tempo maior, que se revelou uma escolha apropriada e rendeu um dos melhores filmes do ano.
“ T2 Trainspotting” é uma das raras sequências de um clássico que não apenas é tão qualificada como a versão original como tem o poder de recontextualizá-la. Toda a barbárie e loucura que permeiam o filme de 1996( até mesmo o ótimo roteiro fica em plano secundário em um primeiro momento, tamanha é a insanidade retratada) se não se justificam, encontram uma espécie de salvaguarda em T2, que tem o poder de humanizar Trainspotting.
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Esse é o grande trunfo de Boyle. Ao retratar a vida dos quatro protagonistas 20 anos mais tarde, o espectador enxerga bem mais do que um baderneiro e três malucos que só tinham como preocupação injetar heroína na veia. E é uma visão triste, até certo ponto deprimente, mas que remete a uma reflexão que é bem óbvia: somos o produto de nossas escolhas.
“ Uma coisa interessante sobre o filme é que as pessoas serão levadas a se questionar sobre si mesmas. Onde estiveram nos últimos 20 anos? O que andaram fazendo?(...) Pode ser uma bela montanha-russa emocional. Não apenas o que aconteceu com esses caras, mas com elas neste período. Seria legal ouvir comentários do público saindo do cinema”, admitiu o ator Robert Carlyle( Frank Begbie) em um bate-papo nos extras de T2 com o diretor, McGregor e Jonny Lee Miller( Simon Williamson, Sick Boy na versão original).
Boyle começa falando justamente sobre o processo de maturação de sua obra e como ele evitou apresentar o projeto logo após
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Welsh ter escrito a sequência literária, traduzida para o Português por Daniel Galera e Daniel Pellizzari, e que tinha um foco mais voltado à pornografia, como um substituto natural da heroína no processo de amadurecimento dos protagonistas. |
“ Quando li o roteiro pela primeira vez, todos esses personagens eram exatamente o que eu esperava deles. Não haviam se tornado milionários ou algo absurdo assim. Eles estavam bem onde deveriam estar. O público vai ficar contente com isso”, frisou Carlyle |