Ed. 318 - completa Maio / Junho - 2020 | Page 63

o bumbo de uma banda marcial (coisa bem do passado), tivessem que tocar violino em uma orquestra filarmônica. Quanto antes deixarem seus postos, tanto melhor - inclusive para eles próprios. Durante e depois da maior luta travada por essa geração, será necessário reconstruir a ideia de Estado, que nunca se confundiu com “governos de plantão”. Como inspiração histórica, lembremo-nos do New Deal, conduzido por Roosevelt nos Estados Unidos pós-crise de 29 ou ainda do próprio Plano Marshall, implementado na Europa do pósguerra. É lógico, as concepções Keynesianas que alumiaram tais planos precisam ser devidamente atualizadas para o multifacetado e globalizado Século XXI. No plano interno, o gasto público aumentará enormemente, de um lado, enquanto a arrecadação fiscal cairá até mais drasticamente. Não bastam, pois, medidas pontuais até aqui adotadas (postergação de prazo para o recolhimento de tributos, linhas de crédito que sequer chegam a quem delas precisam, saques emergenciais no FGTS, pagamento de uma determinada quantia aos trabalhadores informais, entre outras), ou ainda, fazer uma Emenda Constitucional que tem o sonegado objetivo de possibilitar ao Banco Central comprar duvidosas carteiras de títulos detidas por bancos e corretoras privadas (PEC da Guerra). Com todo respeito aos outrora tocadores de bumbo (eu inclusive), tocar violino é muito mais complexo e desafiador e exige que os protagonistas não estejam comprometidos, visceralmente, com os fabricantes de tal tambor. A intervenção estatal sem precedentes requer a elaboração de um grande e complexo plano, que passa por uma reestruturação do setor financeiro, com vistas - entre outras - a garantir uma efetiva concorrência e fazer com que o País deixe de ocupar a indesejável posição de “campeão de juros”, para irrigar e estimular a lenta e gradual retomada dos investimentos produtivos. No campo fiscal, será necessária uma reforma tributária imediata e profunda que desonere o setor produtivo, reduza drasticamente a regressividade do sistema e tribute, de fato, aos que capacidade econômica têm e que, ao longo da história, nunca foram incomodados pelo “leão”. Não será mais possível que - sem enormes riscos - permaneçamos sendo o modelo mundial de uma tributação injusta, que prima pela iniquidade e pela extrema complexidade, como tantas vezes já fora denunciado. Será necessário, também, a criação de um programa de renda universal para todos aqueles que já não conseguem e, certamente, não conseguirão prover seu próprio sustento a curto e médio prazo (eram mais de 50 milhões antes da pandemia que viviam abaixo da linha de pobreza definida pela Organização das Nações Unidas (ONU) - 5 dólares dia). Mais uma vez, se não forem por razões humanitárias, que sejam apenas por razões econômicas; pois, se sabe o potencial de retorno que cada real possui quando direcionado para pessoas de baixa renda. Enfim, como afirma estudo recente do insuspeito Fundo Monetário Internacional (FMI) “políticas fiscais, monetárias e financeiras de grande envergadura e bem direcionadas tomadas na hora certa pelas autoridades de muitos países - na forma de garantias de crédito, linhas de liquidez, flexibilização dos prazos dos empréstimos, ampliação do seguro-desemprego, reforço dos benefícios e desonerações fiscais - têm sido a salvação de famílias e empresas” (Gita Gopinath - Conselheira Econômica e Diretora do Departamento de Estudos do Fundo Monetário Internacional). Aos meus caros leitores que corajosamente seguiram até aqui - em tempos de lacração via twitter - é necessário alertar que a manutenção do receituário, até aqui prescrito e adotado como único possível, implica assunção de riscos desconhecidos e tão inimagináveis como essa desastrosa pandemia. É urgente uma guinada radical nos rumos sociais e econômicos, pois se avizinham possiblidades piores do que o maldito Covid-19. Basta olhar para o passado e lembrar, a todo momento, a frase de Ernest Hemingway... maio | junho • 63