ARTIGO
3.3. Formato da recuperação econômica
O quadro econômico pré-crise sugere sinais de fadiga do crescimento com indicadores econômicos fracos,
manutenção do alto índice de desemprego, elevada ociosidade industrial e baixo investimento. Agrava-se este
quadro com a crise. Assim, as condições de uma rápida recuperação, não tão extensa e onde as medidas de
recuperação são efetivas, desenham uma recuperação em V, que seria improvável.
Uma recuperação na forma de um U sugere uma crise de extensão mais longa, onde as políticas de contenção
econômica são parcialmente bem-sucedidas e onde os mercados críticos terão sido afetados parcialmente.
Neste caso, uma recuperação rápida logo após um período razoável de estagnação requererá que problemas
severos de liquidez e solvência bancária das empresas tenham sido razoavelmente preservadas (ARBACHE,
2020).
Já uma recuperação em formato semelhante ao símbolo da Nike, sugere grandes impactos sanitários e com
uma recuperação lenta, com dificuldades de financiamento público e privado e com o consumo com forte propensão
à poupança (EL PAÍS, 20/04/2020).
4. Análise qualitativa das entrevistas
As entrevistas semiestruturadas foram executadas com as seguintes perguntas orientadoras:
Quais são os efeitos da pandemia do Covid-19 para o setor calçadista?
Como deve ser a recuperação do setor?
Quais os efeitos esta crise irá deixar?
Os entrevistados unanimemente relataram que o setor já vinha sofrendo com uma crise econômica recente
e com baixo crescimento. A crise da Covid-19 veio agravar este quadro, pois afetou o consumo das famílias e
aumentou as incertezas. Apesar de todos necessitarem de calçados para a proteção e saúde dos pés, a decisão
de consumo pode ser postergada. As vendas do varejo foram muito afetadas em virtude do lock down de muitos
pontos de venda. Entretanto, algumas indústrias diminuíram suas atividades, com algumas unidades fechadas,
mas outras mantiveram suas produções e atendimento dos pedidos em carteira. Isso ocorreu também no setor
de componentes para calçados.
Algumas empresas conseguiram mudar seus processos para aproveitar o momento com produção de Equipamentos
de Proteção Individual (EPI) como máscaras, luvas e vestimentas que tiveram sua demanda incrementada.
Outras estão reforçando estratégias em mercados menos afetados como os calçados de segurança.
Os efeitos da variação cambial já estão sendo sentidos, pois muitas matérias-primas possuem cotação em
moeda forte e isto deverá ser repassado aos preços, mesmo em uma crise. Os estoques elevados podem minimizar
estes efeitos inflacionários em uma tentativa de aguardar que o câmbio retorne a um valor estável. Entretanto,
mantida a atual cotação elevada do dólar, repasses de preços deverão ocorrer, elevando assim os preços.
Todos fizeram relatos das ações governamentais para minimização dos efeitos econômicos da crise, principalmente
do BEm com a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário dos empregados ou a
suspensão temporária do contrato de trabalho. A efetividade das ações governamentais foi apontada como
relevante para o setor. Apesar disto, há relatos de demissões como uma estratégia de resguardar a situação
financeira das empresas.
A situação financeira das empresas preocupa, pois aquelas que possuem condições de tomar crédito, são as
mesmas que possuem uma boa gestão e estão equilibradas. Entretanto, aquelas que têm maior dificuldade financeira,
são as que apresentam o maior risco para os bancos privados e públicos e onde são exigidas garantias
que elas não possuem. Muitas empresas estão com dificuldades em tomar crédito em virtude do longo processo
de aprovação do crédito e da documentação exigida, mesmo com a sinalização do governo de baixar a necessidade
de comprovação de negativas. As possibilidades de retorno das atividades com um prazo de 90 a 120 dias
são determinantes para a resiliência financeira das empresas.
Assim, a recuperação, segundo nossa pesquisa, deverá ser lenta, pois a demanda estará reprimida com um
consumidor cauteloso e endividado. A decisão de compra deverá ser postergada, pois o consumidor deverá
manter um nível reduzido de consumo, indicando que manterão esta redução no pós-Covid-19 (CNI, 2020).
A digitalização do consumo e o uso de plataformas comerciais digitais do comércio eletrônico serão um
legado importante desta crise. A pesquisa revela que haverá mudanças na forma (mais digital) e na mentalidade
(mais sustentável e duradoura) do consumo. Já há um movimento deflagrado por Giorgio Armani, durante a
crise, por uma moda que supere o fast fashion e tenha novos caminhos (NICOLETTI, 2020). O consumidor está
80 • maio | junho