VOLEIBOL
Sem meias palavras nem papas na língua : Miguel Coelho abriu o livro para dizer o que lhe vai na alma e deixar tudo em pratos limpos . À conversa com a DRAGÕES , agora que tem “ as melhores condições do país e uma das melhores da Europa para trabalhar ”, o treinador “ apaixonado pelo processo diário ” revela que o FC Porto “ sempre foi a primeira opção ”, constata que “ as pessoas do Norte gostam mais de voleibol ”, diz que “ a federação deveria ouvir quem está no terreno ” e não se coíbe de comentar as palavras “ brejeiras e mentirosas ” de quem “ deveria ter mais respeito e cuidado com o que lhe sai da boca para fora ”. “ Genuinamente feliz com a receção ” dos portistas , o matosinhense arrepia-se com “ a paixão das pessoas de cachecol ao alto durante o hino ” e aponta igualmente alto na hora de definir objetivos . “ Ganhar tudo ”, para já , e “ jogar a Liga dos Campeões ” dentro de “ três ou quatro anos ”.
Fale-nos um pouco sobre o seu percurso até aqui . Nasci em Matosinhos , fui crescendo por lá e tive a típica infância de rua com uma ligação muito forte à família e amigos . Comecei a jogar voleibol aos 14 anos no Leixões , um bocadinho tarde , mas a tempo de construir uma carreira . Formei-me em Educação Física e interessei-me pela área do treino . Deixei de jogar aos 26 anos para iniciar a carreira de treinador no Leixões , passei pela Académica de São Mamede e voltei ao Leixões . Agora estou no FC Porto e sou o pai babado da Matilde .
Como surgiu a paixão pelo voleibol ? Foi uma feliz coincidência . Havia um torneio na Escola Augusto Gomes , eu não praticava desporto nessa altura , um professor de Educação Física estava nesse torneio , viu-me a jogar , disse que eu tinha muito jeito , falou com os meus pais e comecei a jogar na época seguinte . Tenho que lhe agradecer muito , porque de outra forma não estaria aqui .
Foi um bom jogador ? Fui um jogador médio . A minha carreira não teve grande expressão , apesar de ter vivido momentos muito felizes e de ter jogado a Liga dos Campeões . A minha carreira como jogador não foi brilhante , foi sobretudo muito feliz . Era , e sou , um apaixonado pelo processo diário . O meu dia era passado a contar as horas até ao treino , mas fui um jogador banal no indoor . Deu-me muito gosto a curta , mas ainda mais feliz , carreira no voleibol de praia . Principalmente pela pessoa que jogava comigo , o Filipe Catarino , que já não está entre nós . Aí sim , tivemos uma carreira com expressão , muitos Mundiais e Europeus jogados e memórias muito bonitas . Foi uma das pessoas mais importantes na minha vida , posso dizer que partilhei o campo com o meu melhor amigo . Tenho muitas saudades desses momentos .
Como foi a transição da quadra para o banco ? Tive sempre muita curiosidade . Enquanto jogador interessava-me pelo que se fazia na fisioterapia , pelo trabalho dos preparadores físicos , pela análise de jogo dos scouts e pelo planeamento do treino . Aos 23 ou 24 anos nunca imaginei que o bichinho viesse a crescer tanto . Quando assino pelo Leixões uma das condições foi : “ Eu vou para aí jogar se me derem uma equipa para treinar , não me interessa qual , eu só quero dar treino ”. Nas semanas seguintes percebi que não queria jogar mais e pensei : “ Vou acabar esta época e quero dar treino ”. Terminei a carreira de jogador , comecei a treinar e nunca mais olhei para trás nem tive vontade de voltar a jogar . É assim que sou feliz .
Acha que os líberos dão os melhores treinadores ? Acho que os melhores treinadores podem ser de qualquer posição , inclusivamente podem nem ter jogado voleibol . O líbero vê muita coisa a acontecer , porque vê o jogo desde o fundo e tem uma visão privilegiada sobre todo o campo . Mas não se é bom treinador porque se foi jogador de uma determinada posição . Ser treinador implica mais do que ter jogado .
Quais as principais diferenças do voleibol de há 15 ou 20 anos para o atual ? O jogo é diferente . Tem as mesmas regras , mas joga-se de outra forma . A parte tática , principalmente essa , é mais complexa no feminino . Comparando os géneros , a menor capacidade física é notória , e aí entra a parte tática . Se virmos o jogo masculino , ele agora é assente numa ideia coletiva muito individual : serviço , linha de bloco , salto , potência e uma bola com muita velocidade . O feminino também tem isto , mas numa escala menor , por isso acontecem mais coisas .
Como descreveria as temporadas ao comando do Leixões ? Apareço nas seniores depois de ter aparecido nos seniores e sempre quis trabalhar com o feminino , porque a minha carreira de treinador começou aí . O convite foi-me feito por uma pessoa muito
37 REVISTA DRAGÕES DEZEMBRO 2023