Dragões #425 Abr 2022 | Page 28

ENTREVISTA
obra deu-me muita satisfação . O museu também . Eu tinha muitas propostas para fazer o museu , e eu dizia sempre que não estava de acordo porque considerava que o FC Porto não podia ter o que tinha no Estádio das Antas – era a Sala Afonso Pinto de Magalhães , junto aos camarotes –, que era um armazém de taças . Não era isso que eu queria . Quando se decidiu fazer o museu – foi com o Antero Henrique que se fez o plano – arranjou-se o patrocínio do BMG , que é um banco do Brasil , falámos com o presidente Ricardo Guimarães . Quando eu propus na administração fazer um museu , houve um administrador que me disse que fazer o museu era um tufão que ia passar no FC Porto . E eu disse : “ Olhe , se o tufão – havia uma telenovela , a Avenida Brasil , que tinha um indivíduo que era o Tufão – vier , até é bom , que esse gajo é muito popular . É do da telenovela que está a falar , não é ?”. E ele : “ Não , não é ”. E eu : “ Olhe , com tufão ou sem tufão , eu vou fazer o museu . Temos o patrocínio e não vamos perder isso ”. Lembro-me que fui a Barcelona com um arquiteto espanhol ver o museu do Barcelona . No fim ele perguntou-me o que é que eu achava , e eu disse-lhe : “ Para fazer isto , não faço nada . Isto não é nada . Isto é camisolas , recortes de jornais e são taças … Isto não tem a história do clube . Quem vier ao museu não conhece a história do clube . O que eu quero é uma coisa em que uma pessoa entre no museu , não sabe o que é o FC Porto , e quando de lá sair sinta e perceba o que é o FC Porto ”. Depois o Antero foi fundamental , fomos tendo ideias – uns lembravam-se do autocarro , outros do Lucho [ o cão ] e do holograma que fizeram lá comigo …
O certo é que não há ninguém que não fale no Museu FC Porto . Convido sempre as equipas que vêm cá a ir ao museu . Ainda agora aconteceu com a Lazio : eles foram ao museu , depois passaram o jantar a falar
daquilo . Nunca tinham visto nada
como aquilo , que era uma coisa em que as pessoas ficam a conhecer a história do FC Porto , falavam do holograma em que aparece o meu cão – que é o Lucho , que apesar de ter 16 anos ainda é vivo … Isso alegra-me muito , porque foi uma luta que eu tive de travar , até diziam que aquilo era um tufão , e hoje toda a gente tem orgulho e fica parva quando visita o nosso museu . Lembro-me de que quando esteve cá o Leipzig eles foram visitar e disseram : “ O único museu que se pode comparar com este é o museu da Porsche , em Leipzig ”. Acho que é uma coisa do outro mundo . “ Mas este está ao nível ”, diziam . É evidente que eu fico orgulhoso quando ouço isso , portanto essa obra também me deu muito gosto .
Em 1982 , o FC Porto tinha como meio de comunicação um jornal . Hoje tem uma revista , várias plataformas digitais e um canal de televisão generalista . O que é que estas mudanças representam para si ? No meu programa , dizia que a primeira medida era acabar com o jornal O Porto , porque esse jornal , que em princípio devia ser um elo agregador dos sócios , era transmissor das lutas internas . Qualquer indivíduo escrevia uma carta a insultar outro , depois era publicada a resposta , e achavam que aquilo é que vendia o jornal , que não vendia coisa nenhuma . Eu achava aquilo horroroso e assumi que a primeira coisa que faria era acabar com o jornal O Porto e fazer uma revista . Quando era diretor do futebol aconteceram duas coisas curiosas . Houve um caso com a Federação Portuguesa de Futebol ( FPF ), que nos convocou
vários jogadores , no meio de uma eliminatória com o Milan – jogámos quarta e quarta , no domingo havia um Portugal-Espanha particular em Vigo . Não os deixei ir à seleção . Havia pessoas que achavam que
íamos ser castigados , mas eu disse
que não havia problema . Então tive a informação da FPF de que iam deixar passar o jogo de Milão para depois nos caírem em cima , para mostrarem que não era por causa do jogo da seleção que perdíamos . Só que aconteceu o que eles não pensavam : ganhámos em Milão e passámos ; e o Benfica , que tinha deixado ir jogadores à seleção e disse , para ser contra nós , que não achava que isso influenciasse o rendimento da equipa , perdeu em casa com uma equipa húngara e foi eliminado . De modo que ainda estou à espera do castigo por não ter deixado ir os jogadores irem à seleção . Já não deve vir , já deve ter prescrito . Nessa altura , antes do jogo de Milão , fui à RTP , dei uma entrevista enquanto diretor de futebol e disse : “ A FPF que não se esqueça que no nosso símbolo está um dragão . E que o dragão está adormecido , mas se acorda vai ser um problema ”. E eu saí da televisão a dizer que tinha tido uma boa ideia – não tinha pensado naquilo , saiu-me na altura . Cheguei à direção e diz-me o secretáriogeral , que era da Polícia Judiciária e até era meu amigo : “ Ó Jorge , você não pode dizer isso ”. Perguntei : “ O que é que não posso dizer ?”. Disse ele : “ Dragão ? Vai falar num dragão ? O dragão é um animal feroz !”. E eu : “ Dragão , um animal feroz ?”. Até lhe disse : “ Mas você conhece algum ? Isto é uma figura mitológica …”. E o presidente também disse : “ Não , isso de dragões não …”. Nunca mais falei disso . Quando fui eleito presidente , foi logo o dragão para cima da mesa . E como eu tinha no meu programa fazer uma revista , disse que íamos definitivamente pôr-lhe o nome Dragões . Foi a mesma coisa com a inauguração do
estádio . Houve uma proposta para pôr o meu nome , o que eu acho absurdo . Perguntava : “ Então eu sou o presidente e vou pôr o meu nome no estádio ?”. E a direção dizia : “ Não , somos nós ”. E eu : “ Nós não , vão
pensar que fui eu que vos disse ”.
Eu disse , e isto está anotado e os meus colegas ainda estão todos cá e podem testemunhá-lo : “ Se vocês puserem o meu nome no estádio , eu demito-me ”. “ E então qual é o nome ?”. “ O nome só pode ser Dragão . Depois se um dia tivermos um acordo de patrocínio , passa a chamar-se Dragão qualquer coisa , como foi o Dragão Caixa , mas o nome Dragão tem de ficar para eternizar o dragão ”. E dizia-me um diretor : “ As pessoas vão dizer sempre que vão ao Estádio das Antas , tem de se chamar Estádio das Antas ”. E eu disse : “ Nem pense nisso , é Dragão ”. E hoje vocês sabem que as pessoas dizem : “ Vou ao Dragão ”. E quando se diz “ Vou ao Dragão ” ninguém pensa que é ir ao jardim zoológico ou a outro sítio . O Dragão é aqui , onde estamos . Portanto , esta obra , até pela guerra que nos fez o presidente da Câmara , que quis inviabilizar isto , também foi um momento alto .
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REVISTA DRAGÕES ABRIL 2022