INESQUECÍVEIS
“
A minha carreira artística foi muito mais do que ser a cantora do hino do FC Porto , mas tenho muito orgulho de o ser e gostaria que fosse assim para sempre .”
”
JORGE NUNO PINTO DA COSTA “ A Maria Amélia Canossa era uma pessoa extraordinária . Vivia e sofria pelo FC Porto com uma paixão tremenda . É uma grande perda .” transmitir “ força ” a cada vez que os jogadores entrassem em campo . A 31 de março de 1952 , com 18 anos , gravou o hino no Teatro de S . João , no Porto , pela madrugada dentro , quando a cidade dormia , para evitar o registo de ruídos indesejáveis . “ As pessoas saíram do cinema e entrámos nós ”. Orquestra e coro incluídos . “ Só então ficava tudo calminho ”, recordou . Passava das cinco da manhã quando terminaram . A matriz foi enviada para Inglaterra , de onde deveriam chegar os discos a tempo da inauguração do estádio , marcada para 28 de maio . No Coliseu do Porto subiu ao palco para a primeira interpretação do hino ao vivo . Equipou quase a rigor , pedindo emprestadas camisola , meias e sapatilhas , mas , “ apesar de ser muito para a frentex ”, como a própria se catalogava com a ajuda de um sorriso , não se atreveu a vestir calção . “ Mandei fazer uma saia com umas preguinhas muito fininhas até abaixo do joelho ”. Cantou , encantou e recolheu aplausos de pé . O êxito do hino do FC Porto , cujo som passou a preceder o apito inicial dos jogos nas Antas , faria Maria Amélia Canossa voltar aos estúdios . Mas só 54 anos depois da primeira gravação . E 54 anos bem medidos . Novamente a 31 de março , mas de 2006 , voltou a emprestar a voz ao canto épico dos Dragões . Aos 72 anos , então numa experiência inteiramente digital e “ mais fria ”, apenas com um microfone pela frente e os auscultadores apertados entre as orelhas . “ Estava só ”, apercebeu-se . Ouvia , sem ver , a Orquestra Sinfónica de Londres e escutava o coro que também não estava lá . Faziamse apenas sentir noutras pistas previamente gravadas . Pouco à vontade , respirou fundo e fechou os olhos . “ Lembrei-me da emoção da primeira gravação , de todos os meus colegas , de como estávamos distribuídos no palco , e tudo se tornou mais fácil ”. Luís Jardim , editor discográfico e então membro do júri do programa televisivo “ Ídolos ”, ficou satisfeito à primeira . Depois das Antas , o Dragão . O jogo de consagração do campeão nacional a 30 de abril de 2006 , frente ao Vitória de Guimarães , e o lançamento de “ Tanto Porto ”, o novo cd do FC Porto gravado nos estúdios londrinos de Abbey Road , historicamente ligados a alguns dos maiores êxitos dos Beatles , serviram de pretexto perfeito para o regresso ao relvado de Maria Amélia Canossa . Da bancada , o neto chegou a pensar que a avó também ia jogar ao vê-la entrar em campo , mas não , ia “ só ” cantar o hino e surpreenderse depois , quando foi abordada por Vítor Baía , que segurava a camisola 99 para lhe oferecer perante o estádio cheio . “ O Vítor é o meu menino , adoro aquele rapaz ”, confessou meses depois , com vaidade assumida e a falar em “ sina ” enquanto lembrava a posição que ocupava por gosto nas peladinhas de infância : “ Guarda-redes , tal como o Vítor ”. A 28 de setembro de 2018 , data em que o FC Porto completou 125 anos , a “ Princesa da Rádio ”, que chegou a praticar ginástica e natação no clube que sempre amou , subiu ao relvado do estádio pela última vez , momentos antes de um jogo com o Tondela que Tiquinho Soares resolveu . Tinha então 84 anos e uma satisfação desmedida por aquela relação umbilical : “ O FC Porto nasceu comigo e eu nasci com o FC Porto , faz parte da minha vida ”. Antes de morrer , já com 88 anos , deixou uma mensagem de despedida em que confessou o orgulho de poder ser lembrada para sempre como “ a cantora do Hino do FC Porto ”, apesar da longa e produtiva carreira com outros êxitos musicais . Tinha prometido morrer portista .
41 REVISTA DRAGÕES FEVEREIRO 2022