Dragões #466 Set 2025 | Page 52

“ O meu irmão do meio também tinha muito jeito, mas ter talento não basta, também é preciso consistência, trabalho e compromisso. Dos três, fui a única que acabou por seguir esse sonho.”
FUTEBOL
SETEMBRO 2025 REVISTA DRAGÕES
Quantos anos tinha quando deu os primeiros toques? Tinha sete ou oito anos. Nessa altura, o Milan tinha uma parceria com o Boavista e eu comecei lá a jogar no meio dos rapazes.
Eles aceitaram-na bem? Tínhamos uma certa rivalidade, mas eles ajudaram-me muito. Em todas as equipas há competição, mas jogar com rapazes ajudou-me a adaptar à intensidade do jogo, à velocidade e à força deles. Torneime mais consistente e passei a ter outro espírito de sacrifício, porque também não foi fácil ser a única rapariga no meio dos rapazes. Ainda assim, sei que fui uma privilegiada porque tive sempre bons grupos que me ajudaram e me protegeram dentro do campo.
Hoje ainda faz sentido começar em equipas mistas? O futebol masculino tem uma história muito antiga e isso acaba por se traduzir na qualidade e na intensidade do jogo. Jogar em contextos mistos é muito importante para o desenvolvimento de qualquer jogadora que queira ter sucesso mais à frente. Tenho consciência de que cresci muito e reconheço a importância de treinar com rapazes em alguma parte do percurso. É uma experiência que aconselho.
O que mudou quando passou a jogar numa equipa feminina? Senti muita diferença, principalmente a nível de intensidade. Estava habituada a outro ritmo e isso fez com que eu começasse a assimilar o jogo mais rápido, na altura senti uma grande diferença, mas reconheço que agora o futebol feminino está a evoluir muito e pode chegar a outros patamares.
Como correu esse primeiro ano no Famalicão? Foi a minha primeira experiência no futebol feminino e tive de me adaptar a esse novo contexto. Desde então, a secção cresceu e agora a Segunda Divisão é muito mais competitiva, mas na altura as coisas eram diferentes. Foi um ano muito importante no meu processo e foram essas aprendizagens que me trouxeram até aqui.
Nesse ano sobem à Liga BPI. Sentiu uma grande diferença?
Sim, já havia clubes com uma base muito sólida e que proporcionavam outras condições às jogadoras. Senti muita diferença, mas acho que fizemos uma boa época para quem tinha acabado de subir. A equipa do Famalicão era relativamente recente na altura e mesmo assim estivemos à altura.
Ainda estudava? Estava a terminar o secundário e tive de me adaptar, mas isso já era normal para mim desde a altura em que ia para fora com a seleção. Não foi nada fácil, porque ainda não havia muitas escolas preparadas para a situação dos atletas profissionais, então tive de estudar muitas vezes sozinha. É muito difícil de conciliar, mas

“ O meu irmão do meio também tinha muito jeito, mas ter talento não basta, também é preciso consistência, trabalho e compromisso. Dos três, fui a única que acabou por seguir esse sonho.”

não é impossível.
Continua a estudar? Sim, neste momento estou a tirar o curso de Gestão de Empresas. Recentemente comecei a pensar muito sobre ter um plano B, porque o futebol é efémero e, especialmente no feminino, é mesmo preciso procurar alternativas porque ainda não ganhamos milhões, mas pode ser que um dia cheguemos lá.
Quando esteve em Lisboa foi mais difícil de conciliar? Sem dúvida, ainda por cima porque tinha apenas 17 anos e estava fora de casa pela primeira vez, mas tudo isto fez parte do meu crescimento e isso é o mais importante.
Em que é que a passagem por Lisboa influenciou o seu percurso? Fez-me crescer como mulher, porque tive de me adaptar a novos estímulos e sair da minha zona de conforto. Não estava em casa, vivia numa cidade diferente e isso fez-me adaptar a outros contextos. Foi uma experiência importante e foi isso que me trouxe até aqui.
Foi mais emocionante ser campeã nacional ou defrontar as melhores jogadoras do mundo na Liga dos Campeões? São duas coisas muito diferentes. Sempre tive o objetivo de ser campeã nacional, mas o meu maior sonho era jogar na Liga dos Campeões. Por isso, acho que posso dizer que ter defrontado as melhores jogadoras do mundo foi o momento mais impactante na minha curta carreira.
Quem é a melhor jogadora do mundo atualmente? A Aitana Bonmatí, tenho pena de não ter trocado algumas palavras com ela, porque na altura perdemos e eu não lido bem com derrotas, mas ela é mesmo a minha referência.
Em janeiro de 2023 regressou ao Famalicão por empréstimo. Sentiu que estava a dar um passo atrás? Não, encarei-o de forma muito positiva, como se fosse um recomeço. Voltei a um clube que já conhecia bem e que significava muito para mim, por ter sido o meu primeiro no futebol feminino. Senti que era o momento ideal para recuperar a minha estabilidade emocional, porque a experiência em Lisboa nem sempre foi fácil.
E foi mesmo um recomeço? Sim, foram dois anos de muita aprendizagem, em que lidei com pessoas diferentes, personalidades diferentes, vários estilos de jogo e novos treinadores. Foi um passo importante para mim, porque me permitiu recuperar alguma estabilidade emocional e adquirir novas competências no futebol.
Foram essas competências que a levaram para Braga? Sim, mas lá vivi uma época difícil, não vou
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