Dragões #448 Mar 2024 | Page 37

CLUBE
Sousa Magalhães e Ferreira Alves protagonizaram uma eleição renhida
Cesário Bonito foi eleito presidente da direção seis vezes
AS VOTAÇÕES MAIS COMPETITIVAS
Durante o Estado Novo , foram quatro as eleições do FC Porto que se destacaram pela competitividade . Uma delas já foi abordada – a de 1932 , que culminou com dois candidatos separados por 23 votos e acabou por ser repetida –, as outras foram as de 1939 , 1955 e 1959 . No ano em que arrancou a II Guerra Mundial , os sócios do FC Porto foram chamados a votar a 14 de julho , mas a assembleia só seria concluída uma semana depois . Uma das deliberações da primeira parte da reunião foi a escolha dos associados António Augusto de Figueiredo e Melo , António Martins e Flávio Laranjeira para organizarem uma lista a ser votada no dia 21 . A proposta deste grupo viria a ser encabeçada por Ângelo César , presidente desde o ano anterior e deputado na Assembleia Nacional , mas houve uma candidatura alternativa liderada por Manuel Gomes de Almeida . Ainda está por confirmar a identidade deste sócio , mas é provável que se tratasse de um cirurgião cardíaco espinhense descrito como “ um democrata convicto ” que “ no campo das ideias políticas e sociais perfilhava
as mais avançadas ” ( Maré Viva , 18 / 08 / 1976 ). A confirmar-se esta hipótese , pode ter estado em causa um confronto que espelhava na vida do clube clivagens políticas entre a situação e a oposição face ao regime . Ângelo César teve 256 votos , Manuel Gomes de Almeida recebeu 44 . Em 1955 travou-se um duelo épico – já relatado na edição 403 da DRAGÕES – entre a linha de continuidade de Abel Portal e a de renovação de Cesário Bonito . A eleição devia realizar-se a 27 de janeiro no cineteatro do Vale Formoso , mas a afluência foi de tal forma expressiva que o ato teve de ser adiado dez dias e convocado para o Estádio das Antas . O Diário de Lisboa descreveu o essencial do que se passou durante esse período : “ Tanto um como o outro desses grupos se entregaram a intensa propaganda , distribuindo manifestos e programas , indo mesmo até à publicidade nos carros elétricos ”. A uma escala mais pequena e muito pouco habitual em Portugal , quase pareceria uma campanha política de uma democracia ocidental . A 6 de fevereiro , o presidente da Assembleia Geral , José de Sá – pai do futuro presidente da direção Américo de Sá –, abriu
os trabalhos dirigindo aos sócios uma frase plena de significado num país que vivia em ditadura havia quase três décadas : “ Fostes convocados para cumprir o mais sagrado direito do homem : o direito de eleger ”. Ao longo do dia , 4.282 associados passaram pelas Antas e deram a Cesário Bonito mais 714 votos do que a Abel Portal . A oposição vencera . Poucos meses depois , o antigo diretor do jornal O Porto , Leite Maia , denunciou ao governador civil que o clube fora tomado por “ uma direção totalmente reviralhista ”. Domingos Braga da Cruz averiguou e concluiu que o delator não tinha o “ mínimo de idoneidade ”. Quatro anos mais tarde , a diferença entre o advogado António José de Sousa Magalhães e o banqueiro Luís Ferreira Alves foi muito mais estreita . O jurista , de acordo com o testemunho do filho que tem o mesmo nome , preparou uma candidatura que se previa que viesse a ser única .
O seu programa incluía medidas inovadoras , como a construção pelo clube de habitação social a disponibilizar aos associados mais carenciados . Ferreira Alves , que já fora presidente entre
1944 e 1945 , apresentou-se
surpreendentemente perto do limite do prazo e beneficiou de uma condição financeira mais desafogada para investir na campanha e , até , disponibilizar transportes aos sócios de concelhos dos arredores do Porto para irem às Antas votar . Tratouse da última grande eleição do FC Porto realizada durante o Estado Novo : 2.002 sócios fizeram fila para atribuir 1.041 votos a Ferreira Alves e 980 a Sousa Magalhães . Os 48 anos da ditadura coincidiram com os períodos mais duros da história do FC Porto . Foram décadas em que passaram pelos órgãos sociais figuras ligadas ao salazarismo e à oposição , em que o centralismo sufocou o clube ao mesmo tempo que amparava o Benfica , o Belenenses e o Sporting , em que dirigentes de quadrantes distintos – como Ângelo César e Cesário Bonito – ergueram a voz para denunciar injustiças e pagaram por isso , em que houve graves crises financeiras e diretivas , em que foi preciso atravessar dois longos jejuns de troféus de futebol . O FC Porto resistiu . E a democracia interna também . O poder esteve sempre nos sócios , cada um com direito a um voto . É caso único entre os maiores clubes portugueses .
37 REVISTA DRAGÕES MARÇO 2024