Detectives Selvagens 0 - Julho 2014 | Page 37

A AUSÊNCIA É UM REVÓLVER CARREGADO estava melhor que ele, estavam os dois maus, eu a saltar da janela para ver o que tinha acontecido, eu a chorar com o teu carro todo desfeito de lado e eles a rirem-se perdidamente, o Bruno dizia meu, e o Miguel respondia com um meu mais longo que continha um oceano de espanto, e depois o Bruno respondia meu como quem concorda com uma verdade absoluta. Triste, na realidade. O Bruno lá assumiu as responsabilidades, obviamente, e eu tive que ficar calado sob ameaça de umas quantas fracturas ósseas e desaparecimento de bonecos de colecção: os ossos ainda se curam, a estátua do Batman nem por isso. A mãe está orgulhosa, vejo pela maneira como olha para o menino e pela maneira como aperta a mão da tia. A tia tem andado muito lá por casa. Sei que tu e ela não se davam muito bem, eu também não gosto de passar tempo com ela, mas ela tem sido importante para a mãe. Aprendi a valorizar essas e outras coisas. Como a ausência: o facto de valorizar a ausência e o seu peso fez-me perceber a importância da presença. Num dia estavas ali, sentado a ler o jornal (acho que não há imagem mais cliché que um filho possa ter de um pai, e isto preocupa-me porque eu não leio jornais), à espera do almoço, murmuraste qualquer coisa na minha direcção e eu fiz-te um qualquer gesto, desenhei um grande não quero saber no ar e segui para porta da rua, e era verdade, não queria saber, o que tivesses para me dizer di-lo-ias ao jantar, ia passar o dia na casa de 37