A AUSÊNCIA É UM REVÓLVER CARREGADO
estava melhor que ele, estavam os dois maus, eu a saltar da
janela para ver o que tinha acontecido, eu a chorar com o teu
carro todo desfeito de lado e eles a rirem-se perdidamente, o
Bruno dizia meu, e o Miguel respondia com um meu mais
longo que continha um oceano de espanto, e depois o Bruno
respondia meu como quem concorda com uma verdade
absoluta. Triste, na realidade. O Bruno lá assumiu as
responsabilidades, obviamente, e eu tive que ficar calado sob
ameaça de umas quantas fracturas ósseas e desaparecimento
de bonecos de colecção: os ossos ainda se curam, a estátua
do Batman nem por isso. A mãe está orgulhosa, vejo pela
maneira como olha para o menino e pela maneira como
aperta a mão da tia. A tia tem andado muito lá por casa. Sei
que tu e ela não se davam muito bem, eu também não gosto
de passar tempo com ela, mas ela tem sido importante para a
mãe. Aprendi a valorizar essas e outras coisas. Como a
ausência: o facto de valorizar a ausência e o seu peso fez-me
perceber a importância da presença. Num dia estavas ali,
sentado a ler o jornal (acho que não há imagem mais cliché
que um filho possa ter de um pai, e isto preocupa-me porque
eu não leio jornais), à espera do almoço, murmuraste
qualquer coisa na minha direcção e eu fiz-te um qualquer
gesto, desenhei um grande não quero saber no ar e segui para
porta da rua, e era verdade, não queria saber, o que tivesses
para me dizer di-lo-ias ao jantar, ia passar o dia na casa de
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