NÓS DESFEIITOS
A promessa foi escrever-te só quando deixasses de existir
não cartas sem destinatário mas a ti inteiro num poema
contudo vou-me esquecendo de te verificar o pulso agora
que achei um peito branco onde me posso estender como
num barco terno sem remos e não espero a consumação
de uma comédia ou de um desastre que explique por fim
a tua ida. Há noites que sobem e estremecem quais nenúfares
em risos faiscantes e todos bebem uma água violácea que
separa a língua das palavras que a percorrem e então
ninguém pergunta por ti durante séculos. Só eu respondo
de vez em quando à voz ténue da memória que nos procura
pedindo à orquestra uma música que se pareça um pouco
mais com a tua ausência e sem demora nos devore um a um.
29