O ELOGIO DAS PESSOAS SIMPLES
papel social que sempre lhes coube e fazem-no com a
consciência de que a vida é mesmo assim. Não fingem ser o
que não são. Ou, se o fazem, não têm qualquer êxito e esse
passa a ser um papel aceite pelos restantes membros.
Descascam laranjas com os dedos e não se importam com o
cheiro que fica entranhado nas mãos, matam coelhos com
um golpe bem dado no pescoço e degolam as galinhas da
capoeira para a canja, deliciam-se com os legumes da horta e
fazem gala da sardinha no pão. No fim, lambem os dedos
com gosto e a certeza de que está tudo no devido lugar. É
assim que se faz. Nem se percebe como é que alguém pode
comer um frango assado de faca e garfo, argumentam, cheios
de convicção, perante o horror mal disfarçado das pessoas
que perderam a frescura da simplicidade.
As pessoas simples montam casa e casam-se, com uma
festa para a família e os amigos. Depois têm filhos. Não se
perdem em divagações filosóficas, metafísicas, pessoais ou
profissionais. Cumprem-se e perdem-se nessa missão. Na
missão de serem simples. Invejam os outros, os não simples,
os que foram atrás de algo que nunca encontram, os que
saíram da zona de conforto, aqueles que quase nunca chegam
a casar-se ou, pior ainda, que nem sequer têm filhos. Morrem
de inveja porque gostariam de saber como é ser-se livre dessa
maneira. As pessoas simples não sabem que a liberdade de se
ser livre é cheia de espartilhos, preconceitos, solidão e
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