Desfazer as confusões pd52 | Page 199

Particularmente dois capítulos me encantaram: “Gonçalves Dias: poesia e etnia” e “Presença do Parnaso”. Gonçalves Dias e Bilac são poetas do meu coração. Talvez meus poetas preferidos... Faz tempo que o autor da Canção do exílio me acompanha. Muito tempo. Eu e meus irmãos ainda sabemos de cor I-Juca Pirama que nosso pai declamava. Já no título do capítulo, Secchin informa o Gonçalves Dias de que se vai ocupar: o poeta dos índios, com breve menção ao poema da escrava negra. Sem deixar de comentar a atualíssima consciência política que o velho Piaga manifesta, Secchin detém-se no belo "Leito de folhas verdes", apontando a íntima relação que o poema tece entre a natureza e a voz lírica feminina que registra e lamenta a ausência do amado. Aponta ainda o entrelaçamento de desencontros amorosos prota- gonizados por personagens indígenas: a dor da índia que em vão espera por Jatir é antecipada pela dor da índia loira cuja mestiça- gem não lhe permite esperar ninguém: é o lamento de “Marabá”. Unificando a presença de etnias representadas muitas vezes por mulheres, Secchin identifica, nesta vertente da poesia gonçalvina, o que vai constituir uma plurialteridade crítica, absolutamente original ao tempo em que o poeta do exílio publicava seus "Primei- ros, segundos e últimos cantos". Mais adiante, gostei particularmente do "resgate" (eu ia dizendo "perdão póstumo”) do Parnasianismo e do leve puxão de orelha nos modernistas: Secchin nos lembra que a liberação geral do verso livre gerou tanta bobagem quanto a busca de palavras raras. São muito sugestivas as considerações sobre a forma “soneto”, que puxam para a “estrutura” (eu ia dizendo ossatura...) dos 14 versos do poema a ideia de rigor/ distanciamento/formalismo que, muitas vezes, é reduzida a palavra raras, rimas ricas, sintaxe arrevesada. (Em tempo: estas considerações de Secchin não são nenhuma surpresa: afinal, ele é um exímio sonetista!). No seu todo, o capítulo propõe uma profunda "revisão' do Parnasianismo, que se encerra pelos comentários ao soneto bila- quiano “A um poeta”. A ênfase com que Secchin comenta, a propó- sito da metalinguagem tão visível no poema, a valorização do trabalho (artesanato?) que o poema opera, articula-se muito bem a outros perfis de Bilac que Secchin registra: o Bilac jornalista e o militante pela profissionalização do escritor. Ou seja, surge aí um Bilac bem próximo do nada “estéril turbi- lhão da rua”... 198 Marisa Lajolo