As duas Coreias: um cruel
legado da guerra fria
V
María del Pilar Álvarez
árias famílias da Coreia do Norte e da Coreia do Sul se reuni-
ram, pela primeira vez, desde a separação dos dois países.
Durante algumas horas, os familiares que ficaram, a um lado
e outro do paralelo 38, puderam conversar, abraçar-se, rir e, sobre-
tudo, chorar pela crueldade política que lhes impediu de comparti-
lhar suas vidas. O encontro se enquadrou nas negociações entre as
duas Coreias e no novo contexto da região. É uma luz de esperança.
Faz uns poucos anos, em um café do bairro de Once, tive a
oportunidade de entrevistar um migrante coreano radicado na
Argentina que, com lágrimas nos olhos me contou como havía
perdido contato com um de seus irmãos e sua mãe durante a
Guerra da Coreia (1950-1953). Pouco tempo após haver estourado
o conflito bélico, ele subiu em um barco estadunidense que o
transportou ao porto de Busan (Coreia do Sul) juntamente com
seu pai e seu irmão maior. Durante os três anos que durou a
guerra, ele tentou retornar a Pyongyang para encontrar sua mãe
e seu irmão menor, mas não pode cruzar o paralelo 38.
Jamais imaginou que passaria tantas décadas sem ver sua
família do Norte. Seu pai faleceu, nos poucos anos em que estava
no Sul, seu irmão morreu jovem e ele, doído, frustrado e só,
contraiu matrimônio com uma nortecoreana que vivía, como
tantos outros milhares de refugiados, em Busan, e decidiu iniciar
uma nova vida em Buenos Aires.
Já haviam se passado cinquenta anos da separação de sua
família quando junto a sua esposa se inscreveram no primeiro
programa de reunião de famílias separadas e foram selecionados
para viajar a seu povoado natal. Naquele então, sua mãe, seu pai
e seu irmão mais velho já haviam falecido.
Nestes dias, recordei seu trágico relato. Poderia ser uma das
milhares de histórias dramáticas de famílias coreanas separadas
pelo conflito bélico que hoje, esperançosos pelo reinício do diálogo
pacífico entre ambas as Coreias, esperam ansiosos abraçar,
talvez, pela última vez, a seus seres queridos.
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