Dos camarins aos palcos
Cristiane e John interpretando “O Soldadinho de Chumbo”, história adaptada para a peça “O Velho dos Sonhos”
Dos limites entre ator e personagem à preparação de espetáculos teatrais e circenses
Débora de Brito
O
que teatro e circo têm em
comum? As duas formas
de arte são modalidades
cênicas, ou seja, são apresentadas em
um palco, necessitam de um público
espectador e da capacidade interpreta-
tiva. Para além das definições de espe-
cialistas, tanto o circo quanto o teatro
estão fixos no imaginário popular. São
como o produto final, este, muitas ve-
zes, incompleto e cercado de estereóti-
pos: o espetáculo, a peça, a dramatiza-
ção, o palhaço, as cortinas vermelhas,
o personagem interpretado; esses ele-
mentos são dados como definidores de
suas respectivas artes devido à proxi-
midade - ou falta de - com o tema.
Para aqueles que não conhecem o
que há por trás das cortinas ou dentro
de um camarim, formam-se questões:
Do que é constituída uma peça? Como
ocorre a preparação de um espetáculo
circense? De onde vem a inspiração?
Quais são as dificuldades? O que leva
o interesse à área? Quem são as pesso-
as por trás dos personagens?
“Depois de ter contato
com o circo, ou você se
apaixona ou não pratica,
porque as atividades não
são fáceis, machucam”
Pensando nisso, John Halles fala
sobre o processo interpretativo “Quan-
do a gente lê um livro ou uma peça, o
personagem tem características, mo-
dos de pensar, que são diferentes do
seu, então quando você tem uma peça,
você sabe qual é o percurso do per-
sonagem, assim você vive de acordo
com a lógica do personagem, não a
sua lógica, mas ao mesmo tempo não é
uma coisa do tipo ‘virei outra pessoa’
porque é você fazendo, então tem seus
sentimentos, tem sua história…”, diz
o ator de 26 anos, que estudou dança
antes de entrar no teatro.
Já sua parceira de palco, Cris-
tiane Guerreiro, de 38 anos, pensa
diferente: “Eu tenho uma dificuldade
tremenda para decorar o texto, eu pre-
ciso estar muito concentrada, pra mim
tem um certo processo, eu
preciso decorar, fazer mar-
cas, ensaiar, e só depois eu co-
meço a ‘brincar’ me achando nos
personagens,
colocando a in-
tenção nas mi-
nhas falas”.
Entre uma per-
gunta e outra,
Cristiane conta,
bem humorada,
que começou a
praticar teatro aos
12 anos. Após isso,
a atriz focou nos es-
tudos e se formou em
Publicidade e Propaganda
e, aos 21 anos disse: “Que-
ro fazer teatro!”. Foi então
que entrou no Artes Es-
paço Cultural, que deu
origem à Cia Lúdicos de
Teatro Popular.
Cristiane permanece
na mesma Companhia há
17 anos, ocupando posições
variadas de acordo com a necessida-
de. “Geralmente tem uma divisão de
funções, somos técnicos, produtores,
atores, há uma planilha que dividi-
mos para o cachê, as porcentagens e
tudo mais. Por exemplo, de uma fatia
de dez pedaços, de repente eu sou a
técnica, a atriz, a produtora… A gente
acumula funções”, característica, se-
gundo John Halles, do Teatro de Gru-
po. “Acho que muitos grupos de São
Paulo acabam fazendo isso, executan-
do mais de uma função além de atuar
para conseguir fazer as coisas às vezes
mais barato, porque daí você conse-
gue vender por um valor mais aces-
sível também”, explica John, e ainda
acrescenta que o trabalho não é feito
somente por membros da companhia.
São contratadas pessoas de fora para
atender às necessidades da produção.
Segundo os atores, a preparação
para cada apresentação é diferente e
varia de ator para ator, de peça para
peça, mas é algo que exige uma
organização da equipe e, como
resultado, acaba estabelecendo
uma ordem. “O Velho dos So-
nhos”, por exemplo, uma das
tramas adaptadas pela Compa-
nhia Lúdicos de Teatro Popular,
ocorre em ambientes abertos, mas
há
momentos
em que a equipe
deve recorrer ao espaço de
teatro tradicional, como quan-
do chove. Apesar das adequa-
ções, Cristiane conta que
a preparação
para essa peça
se dá na seguin-
te ordem: a equipe
chega ao local com
todo o equipamento neces-
sário, incluindo cenário, prepara a
iluminação e monta a cena. Após isso,
passa para o figurino e maquiagem, só
então é hora de atuar. Quando o es-
petáculo chega ao fim, é colocar tudo
novamente em seu lugar: as malas. Os
atores citam como dificuldades a dis-
tância de casa e da família, o cansaço,
o pequeno retorno financeiro e a des-
valorização da arte por parte dos go-
vernos. Mas há um consenso, não se
veem fazendo outra coisa na vida.
Para Tatiana Santiago, idealiza-
dora da Casa do Circo, não é diferente,
“depois de ter contato com o circo ou
você se apaixona ou não pratica, por-
que as atividades não são fáceis, ma-
chucam e exigem treino regular para
aperfeiçoamento”, diz. Ela conta que
começou a praticar quando criança,
mas foi aos 19 anos, no município de
Corumbá no Mato Grosso do Sul, que
encontrou a Escola de Circo Compa-
nhia da Lona. Tempo depois, a artista
plástica retornou à Bauru e se aperfei-
çoou em escolas de dança até conse-
guir abrir a Casa do Circo em 2014,
onde hoje dá aulas de tecido.
Tatiana define o circo como “a
junção de muitas artes, o que a ima-
ginação permitir” e diz que, como no
teatro, cada apresentação requer uma
preparação diferente, um roteiro e
“aparelhos” diferenciados. Segundo
ela, a equipe cria um contexto, uma
apresentação e com a junção de todos
os números “as atividades desafiam os
praticantes com novas dificuldades,
novas habilidades, novas descobertas.
O descobrir de si mesmo com algo
novo é sempre uma superação, uma
conquista e um encorajamento para no-
vas conquistas. As aulas desenvolvem
o físico e o mental de maneira criati-
va e lúdica além de dar espaço para o
movimento individual dos praticantes.
Em cada movimento você vai além da
técnica e cria sua expressão, cada cor-
po tem um desenho, um movimento,
uma plasticidade, e das modalidades
sai um convite para essa descoberta”.
“O estranhamento das pessoas quando
explico minha profissão está menor
porque estamos conquistando mais
praticantes, as pessoas mudam o olhos
depois de conhecer”, diz Tatiana.
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