Contemporânea Contemporânea #8 | Page 7

comigo as anotações manuscritas nos rascunhos de minha tese digitalizada. Selvino fazia anotações à mão, suas orientações trazem a marca de seus dedos, suas impressões digitais. Era generoso ao acolher orientações que mantinham vivo o espírito da Filosofia, essa amiga da sabedoria, sempre na busca, jamais concluída. Nunca sabedoria.

Amizade é outra palavra que poderia defini-lo bem. Como gostava dessa palavra! Lembro das primeiras aulas, ainda na graduação em Filosofia. Filosofia Política antiga, Aristóteles... O sentido da philia grega parecia transpor séculos e se manifestar diante de nós, em sala de aula. Muitas vezes o vi defender a ideia de que a Filosofia, sem esse sentido de amizade, não era nada, talvez erudição. Vi sua defesa enfática, política, desse sentido primeiro da Filosofia frente às exigências burocratizantes e quantitativas pelas quais passara enquanto professor numa universidade pública que se “modernizava”. E essa defesa política só nos tornava ainda mais discípulos do mestre. É verdade que para alguns, aquela mensagem pouco tocava. Houve até quem trocara de fileiras ao longo dos anos. Filosofia Política, com Selvino, se aprendia também nas lutas cotidianas. Sempre sem proselitismo ou partidarismos reducionistas. Com o mestre, filosofia política era assunto sério, importante, mas nem por isso alheio às possibilidades de algum riso, de espaço à crítica.

Crítica. Mais uma palavra cara a Selvino. Pensar, com ele, era sempre um exercício da crítica. Líamos os grandes autores com a profundidade que ele imprimia às aulas, mas sempre com abertura para pensarmos o presente, com

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liberdade. Pensávamos junto com ele e com os autores. O ensinamento kantiano que ele trazia sempre presente, de que autonomia não se constrói sem heteronomia, era o movimento contínuo de suas aulas. E lembro com alegria de buscar as suas aulas a cada semestre, quando se divulgava a grade das disciplinas. Porque sabia que ali o pensamento estava vivo, sem perder a erudição e o trabalho com os textos que a Filosofia exige.

Fazer um elogio ao professor e amigo Selvino Assmann é, assim, um exercício de continuidade ao seu “Viva!”. Ou aos seus muitos “Vivas!”, já que a cada encontro eram novos caminhos brindados, novos assuntos e temas que interessavam. Não é estranho que a interdisciplinaridade tenha sido um universo tão bem vivido por ele, mesmo antes de fazer parte de um Programa de Pós-Graduação na área. O encontro entre saberes era absolutamente natural para ele. E como era bom, para nós, alunos da “árida” e “distante” Filosofia, termos um professor que dialogava com a Educação, com as Ciências Sociais, com a História, com a Geografia! Que riqueza essa diversidade dava às suas aulas!

Proferir um elogio nunca é tarefa fácil, mesmo que fúnebre, como o feito a Péricles, e o mestre não se encontre mais entre nós. Meu reencontro com Selvino, após longos anos, deu-se em 2016, com uma co-orientação. O câncer já estava ali. Pude acompanhar parte do seu final de vida. E testemunhar, assim, a sua força. Leu todo o meu trabalho, fazendo anotações preciosas, já sob efeito de exames e processos bastante invasivos. E mantinha-se firme, com seus “Vivas!” a cada encontro. Foi professor até o fim.

HOMENAGEM A Selvino Assmann