Contemporânea Contemporânea #12 | Page 32

JOGOS OLÍMPICOS

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a grama que viajaria à capital da Inglaterra para as Olimpíadas. O filme abre com imagens de uma Port Stanley deserta, é de manhã e logo vemos o atleta preparando-se para começar seu treinamento. Não faz calor e o capuz do agasalho é posto sobre a cabeça, antes que a corrida se desenvolva por vários pontos identificáveis, tanto das Ilhas em si mesmas – ondas marinhas, rochas, animais atlânticos – quanto da presença inglesa sobre ela – o correio, a cabine vermelha do telefone público, a fachada de um pub.

Aqui e ali, exercícios e mais metros percorridos, mostrando muito esforço e dedicação, tudo embalado por música que dá um tom entre o solene e o emotivo. Ao final, lemos na tela: “Para competir en suelo inglés, entrenamos en suelo argentino”. Eis o que Horacio González chamou de algo que beira a provocação.

O hóquei é um esporte muito popular na Argentina e, ironia das ironias, também em nações de colonização britânica (Índia e Paquistão, por exemplo, têm excelentes equipes), visto que é prática tradicional dos clubs. A irradiação esportiva pelo mundo é produto do colonialismo. Os muitos clubes de futebol sul-americanos com nomes em inglês e associados a empresas originalmente súditas do Rei, como as de ferrovia, não deixam de confirmar essa presença. O hóquei é mais comumente vinculado às mulheres, fazendo um complemento com o rúgbi, igualmente oriundo das terras de Sua Majestade, mas muito mais praticado por homens (ou por machos, para ser mais exato). A presença inglesa na cultura platense é enorme, e no mundo esportivo não é diferente. Que tenha sido escolhida essa modalidade olímpica para o curta-metragem, mas em versão masculina, tem lá seus motivos, mesmo considerando que o time feminino (Las Leoas, como são conhecidas as integrantes da equipe nacional) impacte muito mais o imaginário local. O que está sendo mostrado é um filmete que fala de guerra, de combatentes caídos. Coisa de homens, bem entendido. Tudo, na verdade, muito triste.

O filme foi feito com autorização da chancelaria inglesa que, disse depois, não sabia do sentido que ele teria. Exigiu-se que os argentinos se desculpassem, o que obviamente não aconteceu.

Os platenses não foram bem nos Jogos, perdendo, inclusive, para os britânicos na fase de grupos, mas se redimiram quatro anos depois, quando chegaram ao ouro no Rio de Janeiro. O time feminino, por sua vez, liderado por Luciana Aymar (oito vezes a melhor do mundo na modalidade) levou a medalha de prata em Londres. As Malvinas seguem sendo possessão inglesa, mas hoje, dados os enormes custos de sua manutenção, paulatinamente se abre a possibilidade de que seus detentores possam, em futuro talvez não tão remoto, renunciar ao território. Quanto aos argentinos, precisamos, antes de tudo, mais bem elaborar o passado, o que inclui cuidar da memória e de nossas feridas, as dos corpos caídos, dos sobreviventes, de nosso narcisismo.