Contemporânea Contemporânea #12 | Page 26

PARALIMPÍADAS: território do esportivo de segunda categoria?

Danielle Torri

Em ano de Olimpíada, a mídia como de praxe, emula discursos sobre grandes conquistas, recorda grande feitos de ex-atletas, aponta as grandes personalidades que devem servir de modelos de vitória e, depois da contagem regressiva para que os grandes atores desse fenômeno possam aparecer em nossas telas, eis que eles surgem. É difícil ficar de fora da massiva propaganda que o evento proporciona. A chamada para a maior festa do esporte produz discursos heroicos a respeito de atletas que quase sempre não demonstram muito do sacrifício do treinamento, as dores e os fracassos. O fenômeno não se reduz apenas à sua prática, mas também, entre outros fatores, à criação de narrativas que possam ser contadas e apontar os deuses que irão habitar nosso imaginário, o dos não-atletas, durante um mês.

Acontecendo na sequência do maior evento esportivo do mundo, as Paralimpíadas não recebem o mesmo tratamento. Mas, para que se apresentem como produto palatável, os discursos produzidos sobre o esporte paralímpico investem pesado na narrativa da superação, para que assim talvez possam incluir as pessoas com deficiência no mesmo “Olimpo”. A contagem regressiva, as reportagens e festas destinadas à competição não são as mesmas ofertadas aos jogos para pessoas sem deficiência.

Um exemplo emblemático para pensarmos sobre os Jogos Paralímpicos é o do atleta alemão de salto em distância, Markus Rehm, que com apenas uma perna e o auxílio de uma prótese, poderia ter chegado ao pódio olímpico no Rio em 2016. Ele pleiteou uma vaga nos Jogos, mas teve sua participação negada porque sua prótese supostamente o deixaria em vantagem frente aos outros atletas.

Rehm destoa dos seus adversários com deficiência uma vez que suas marcas se aproximam muito ou mesmo superam as de competidores sem deficiência. Enquanto alcançou 8,40 metros nas Paralimpíadas de 2016, os ganhadores das medalhas de prata e bronze atingiram, respectivamente, 7,29 metros e 7,13 metros. Observe-se que o índice mínimo para participar dessa prova era 5,80 metros, enquanto que para sua congênere olímpica era de 8,15 metros.

A distância tem sido frequentemente ultrapassada pelo atleta, mas, não é atingida com a mesma facilidade por seus adversários paralímpicos (1) . A insistência de Markus Rehm em participar do evento olímpico parece apontar na direção de que as Paralimpíadas são ainda o que chamamos, intencionalmente e de maneira provocativa, de esporte de segunda categoria. Um esporte que estaria sempre adjetivado pela qualidade que o representa: para os com deficiência.

Markus Rehm é um atleta espetacular, um possível herói olímpico, como as narrativas gostam de identificar aqueles que quebram recordes. Ele treina horas exaustivas para que a intensa simbiose com sua prótese de fibra de carbono faculte-lhe condições de solicitar disputar entre os sem deficiência. Ele teria as marcas necessárias, mas para além da interrogação de que poderia levar vantagem pelo uso da tecnologia protética, está o fato de que Rehm entende que seu desempenho é tão bom quanto o daqueles que saltam sem deficiência e muito acima e muito melhor que os dos atletas contra os quais compete.

A provocação pode ser estendida para todos aqueles esportes que não normativos e não masculinos. Assim, o futebol feminino e os esportes de mulheres, os para pessoas com deficiência, Gay Games, igualmente podem oferecer inspiração para não-atletas, mas ainda não ostentam a qualidade do esporte de alto rendimento masculino, modelar para todos os outros que vêm depois dele.

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JOGOS OLÍMPICOS