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JOGOS OLÍMPICOS

Examinem a vida dos homens e dos povos melhores e mais fecundos, eperguntem se uma árvore que deve elevar-se altivamente nos ares pode viver sem o mau tempo e as tempestades; se a hostilidade e a resistência do exterior, se toda espécie de ódio, de inveja, de teimosia, de desconfiança, de dureza, de avidez, de violência não faz parte das circunstâncias favoráveis, sem as quais um grande crescimento, mesmo na virtude, poderia realmente ser possível? O veneno que mata o mais fraco é um fortificante para o forte – por isso ele não o chama de veneno. (NIETZSCHE, 2013, p.85)

O crescimento do humano, na visão do filólogo alemão, passa pela aceitação de que os acidentes e incidentes que nos atravessam são necessários e importantes para a construção de nós mesmos. A virtude do forte está justamente na valorização do veneno como componente essencial para o antídoto. Esse também parece ser o âmago do espírito olímpico, pois é a partir da força, habilidade, disciplina e empenho que é possível o alcance do pódio.

Sabe-se que no esporte a rivalidade está no centro de qualquer modalidade. Em se tratando de eventos mundiais, como as Olímpiadas, em que indivíduos ou equipes representam países, a competição é mais acentuada. E se essas nações vivem (ou viveram) algum tipo de disputa histórica, seja comercial, econômica, política ou territorial, como Estados Unidos e China, Estados Unidos e Rússia, ou mesmo Inglaterra e Argentina, o acirramento se torna ainda mais peremptório.

Para além de questões geopolíticas, no

entanto, é no desafio diário de cada atleta, na constante superação dos próprios limites, que se poderá experimentar a delícia que é jogar, a delícia que é viver. Ganhar medalha é importante. Vencer as competições também. Mas não é piegas dizer que a competição saudável, a construção do caráter do atleta e o fair-play também são basilares nesse processo, se se entende que ir além das próprias marcas alcançadas é desafia(r)-a-dor. A própria dor. Integrá-la, aceitá-la e, com resiliência, mover-se.

Aliás, a vida está no movimento, como já anunciava Aristóteles, bem lembrado por Schopenhauer em seus Aforismos para a sabedoria de vida, que prossegue: “Vencer obstáculos é a plenitude do gozo da existência humana, quer esses obstáculos sejam de uma natureza material, como na ação e no exercício, ou de uma natureza espiritual, como no estudo e nas investigações. A luta e a vitória tornam o homem feliz” (SCHOPENHAUER, 2022, p.151). Para o filósofo, aquele que permanece tranquilo nos revezes saberá acomodar-se às imperfeições de todas as condições e poderá estar encouraçado contra os choques e outras coisas semelhantes.

Vanderlei Cordeiro de Lima, com sua trajetória, nos mostra quão importante é continuar a corrida mesmo diante da contingência. O atleta, que pode ter perdido o primeiro lugar na Maratona devido ao incidente, visto que estava muito à frente de seus concorrentes, entrou para a história do esporte mundial em razão de sua resistência e perseverança. Poucos lembram dos atletas que foram classificados como primeiro e segundo colocados naquela disputa. É que nem sempre ganhar é realmente vencer.

Sem desmerecer o mérito de seus concorrentes, Vanderlei conquistou a medalha

de bronze e todas as outras honrarias, mas reafirmou também o seu caráter de bronze,

salientado por Schopenhauer como o mais forte entre os que existem: “Neste mundo,

onde a sorte é de bronze, temos que possuir um caráter de bronze, encouraçado contra o

destino [...]. Porque a vida não é senão um combate; estamos a cada passo disputando

uma peleja” 2 .

Resta-nos torcer para que, nas Olímpiadas de 2024, se classifiquem não apenas

os atletas com os melhores dons, talentos e marcas, mas, sobretudo, aqueles com traços

e caráteres sólidos, que sigam nos inspirando por muitos anos, das mais diversas

formas, inclusive na flexão e reflexão do pensamento ou mesmo na escrita de um texto.